segunda-feira, 13 de março de 2023

Em ação demolitória, não há obrigatoriedade de litisconsórcio passivo necessário dos coproprietários do imóvel

 

Ação demolitória

A ação demolitória é uma demanda proposta com o objetivo de demolir (destruir) uma obra já pronta e que esteja violando:

as regras sobre direito de vizinhança (previstas no Código Civil);

as normas municipais sobre construções; ou

as limitações administrativas impostas sobre a propriedade particular.

 

Previsão no CPC 1973

A ação demolitória, assim como a ação de nunciação de obra nova, estavam previstas nos arts. 934 a 940 do CPC/1973. Veja o que dizia o art. 934:

Art. 934. Compete esta ação:

I – ao proprietário ou possuidor, a fim de impedir que a edificação de obra nova em imóvel vizinho lhe prejudique o prédio, suas servidões ou fins a que é destinado;

II – ao condômino, para impedir que o coproprietário execute alguma obra com prejuízo ou alteração da coisa comum;

III – ao Município, a fim de impedir que o particular construa em contravenção da lei, do regulamento ou de postura.

 

Ausência de previsão expressa no CPC 2015

O CPC/2015 não mais disciplina a ação de nunciação de obra nova e a ação demolitória. Em outras palavras, elas não serão mais tratadas de forma específica pelo novo Código. Diante disso, a doutrina entende que tais ações poderão continuar sendo propostas (isso porque o direito material tutelado continua existindo e precisa de um instrumento de proteção), no entanto, com o CPC/2015 tais ações deverão seguir o procedimento comum.

 

Ação de nunciação de obra nova e a ação demolitória

A ação demolitória tem o mesmo objetivo da ação de nunciação de obra nova.

A diferença é que a ação de nunciação é proposta quando a construção ainda está na fase de planejamento ou execução.

Já a ação demolitória, é manejada quando a obra estiver concluída ou em fase de acabamento.

Desse modo, a ação de nunciação de obra nova revela-se como uma tutela preventiva, e a demolitória como uma tutela repressiva. Nesse sentido: MARINONI e MITIDIERO, p. 850.

 

Se for proposta uma ação de nunciação de obra nova, mas a edificação já estiver concluída, é possível que o juiz converta a demanda em ação demolitória?

SIM. Já houve julgado do STJ nesse sentido:

“a diversidade de requisitos entre a ação de nunciação de obra nova e a ação demolitória não impede possa ser feita a conversão de uma em outra, quando erroneamente ajuizada” (REsp 851.013/RS, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, julgado em 05/12/2006).

 

Assim, a jurisprudência entende que a ação demolitória tem a mesma natureza da ação de nunciação de obra nova.

 

Feita essa revisão, imagine agora a seguinte situação hipotética:

João e Pedro são vizinhos.

Pedro resolveu construir uma casa de dois pavimentos. Ocorre que a construção erguida por Pedro está em desacordo com as regras urbanísticas e ambientais.

Diante disso, João ajuizou ação demolitória contra Pedro.

Pedro contestou a demanda afirmando que o imóvel pertence a ele e à sua esposa Regina e que, portanto, a ação demolitória deveria ter sido ajuizada contra os dois, em litisconsórcio passivo necessário.

 

A tese de Pedro foi acolhida pelo STJ?

NÃO.

 

Litisconsórcio necessário

“Litisconsórcio necessário é aquele cuja formação ou é imposta pela lei ou decorre da natureza da relação jurídica de direito material discutida.” (LOPES JR., Jaylton. Manual de Processo Civil. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 225)

O art. 114 do CPC/2015, ao tratar sobre litisconsórcio necessário, prevê o seguinte: 

Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes.

 

Sendo caso de litisconsórcio necessário no polo passivo, o juiz determinará que o autor requeira a citação de todos os litisconsortes necessários, sob pena de extinção do processo:

Art. 115. (...)

Parágrafo único. Nos casos de litisconsórcio passivo necessário, o juiz determinará ao autor que requeira a citação de todos que devam ser litisconsortes, dentro do prazo que assinar, sob pena de extinção do processo. 

 

ý (Promotor de Justiça MPE/PR 2019) A distribuição de petição inicial que não indica todos os réus em litisconsórcio passivo necessário é causa para a imediata extinção do processo. (incorreta)

 

Litisconsórcio unitário

O litisconsórcio será unitário quando o juiz tiver que decidir a causa de modo uniforme para todos os litisconsortes (art. 116 do CPC/2015):

Art. 116. O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes.

 

þ (Promotor de Justiça MPE/PR 2019) O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes. (correta)

ý (Promotor de Justiça MPE/RO 2017 FMP Concursos) No litisconsórcio unitário pode haver decisões distintas para os litisconsortes. (incorreta)

 

No litisconsórcio unitário, os atos e as omissões de um não prejudicarão os outros, mas os poderão beneficiar:

Art. 117. Os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos, exceto no litisconsórcio unitário, caso em que os atos e as omissões de um não prejudicarão os outros, mas os poderão beneficiar.

 

þ (Defensor Público DPE/RS 2018 FCC) O CPC vigente consagra o princípio da independência entre os litisconsortes, mas abre exceção em caso de litisconsórcio unitário, ao permitir que os atos de um dos litisconsortes aproveitem aos demais. (correta)

þ (Promotor de Justiça MPE/RO 2017 FMP Concursos) Os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos, exceto no litisconsórcio unitário, caso em que os atos e as omissões de um não prejudicarão os outros, mas os poderão beneficiar. (correta)

þ (Procurador do Estado PGE/SC 2018 FEPESE) No litisconsórcio unitário, os atos e omissões de um não prejudicarão os demais, mas poderão beneficiá-los. (correta)

þ (Advogado EMDEC 2019 IBFC) No litisconsórcio unitário os atos e as omissões de um poderão prejudicar ou beneficiar os outros. (incorreta)

 

Será nula a decisão se não tiverem sido citados aqueles que deveriam figurar como litisconsortes necessários-unitários (art. 115, I, do CPC/2015):

Art. 115. A sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será:

I - nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo;

(...)

 

þ (Procurador Municipal Prefeitura de Curitiba/PR 2019 NC-UFPR) O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes, hipótese em que sentença de mérito que venha a ser proferida será nula se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo. (correta)

 

Resumindo

O litisconsórcio será necessário, EM REGRA, quando:

1) a lei determinar ou

2) quando for unitário.

 

Atenção:

em regra, o litisconsórcio unitário é também necessário. , no entanto, casos em que o litisconsórcio é unitário, mas não necessário, como, por exemplo, no caso da ação possessória movida por apenas uma parte dos condôminos (art. 1199 do CC/02).

é nula a decisão, caso não citados aqueles que deveriam figurar como litisconsortes necessários-unitários (art. 115, I, do CPC/2015).

 

Não há obrigatoriedade de litisconsórcio passivo necessário em ação demolitória entre coproprietários

A despeito de algumas decisões em sentido contrário, a 3ª Turma do STJ recentemente decidiu que, em ação para demolição de obra em desacordo com a legislação urbanística ou ambiental, o fato de o coproprietário sofrer os efeitos da sentença não é suficiente para caracterizar o litisconsórcio necessário, porque o direito de propriedade permanecerá intocado:

Em ação demolitória, não há obrigatoriedade de litisconsórcio passivo necessário dos coproprietários do imóvel.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.721.472-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 15/06/2021 (Info 701).

 

A 2ª Turma segue o mesmo entendimento:

Como regra geral, as demandas urbanístico-ambientais rechaçam, por razões de política pública, o litisconsórcio passivo necessário (art. 114 do CPC/2015), donde prescindível a citação do cônjuge, seja porque se está no âmbito de responsabilidade solidária, seja porque as ações traduzem pretensões conectadas à degradação da qualidade de vida ambiental ou urbanística, causada por atividade, empreendimento ou obra irregular, relação jurídica controvertida destituída, no núcleo central da sua natureza, de discussão acerca da propriedade ou posse do imóvel.

STJ. 2ª Turma. EDcl no AREsp 1.580.652/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 25/8/2020.

 

O STJ reiterou essa posição no sentido de que, nas ações demolitórias de obra ajuizadas em face de construções erguidas em desacordo com as regras urbanísticas ou ambientais, é prescindível a citação dos coproprietários do imóvel para integrarem a relação processual, na qualidade de litisconsorte passivo necessário, notadamente porque a discussão central do feito não diz respeito ao direito de propriedade ou posse.

Eventual diminuição do patrimônio do coproprietário do imóvel, em razão da demolição da obra, seria apenas uma consequência natural do cumprimento da decisão judicial, que impôs a obrigação de demolir as construções erguidas ilicitamente, vale dizer, em desacordo com a legislação de regência.

 

Em suma:

Nas ações demolitórias de obra ajuizadas em face de construções erguidas em desacordo com as regras urbanísticas ou ambientais é prescindível a citação dos coproprietários do imóvel para integrarem a relação processual, na qualidade de litisconsorte passivo necessário.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.830.821-PE, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 14/2/2023 (Info 764).

 

 

 


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