sexta-feira, 3 de março de 2023

Tendo a medida socioeducativa atingido a sua finalidade, é inviável manter a execução apenas pela menção genérica à insuficiência do tempo de acautelamento do adolescente

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Pedro, adolescente, praticou ato infracional análogo ao tráfico de drogas.

O juiz da Vara da Infância e Juventude julgou procedente a representação ministerial proposta e determinou que Pedro cumprisse medida socioeducativa de internação, pelo prazo máximo de 3 anos, com reavaliação em 6 meses, nos termos do art. 121, §§ 2º e 3º do ECA:

Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

(...)

§ 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.

§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.

 

Em 17/03/2022, Pedro iniciou o cumprimento de medida socioeducativa.

Em 27/04/2022, a equipe técnica do centro socioeducativo elaborou um parecer favorável sugerindo a extinção da medida, conforme o plano individual de atendimento, que destacou a boa capacidade de responsabilização do adolescente que tem concreto planejamento para a mudança de vida.

O Ministério Público Estadual também concordou com a extinção da internação.

O juiz, contudo, manteve a internação sob o argumento de que o período em que o adolescente ficou internado não seria suficiente para a reflexão sobre os atos que cometeu. Afirmou que o jovem, com longo histórico infracional, faz uso substâncias ilícitas e encontra-se inserido em um contexto infracional grave. Diante disso, entendeu necessária a medida para afastá-lo da ilicitude.

A defesa recorreu contra essa decisão, mas o TJ manteve a internação.

Ainda inconformada, a defesa impetrou habeas corpus no STJ em favor do adolescente, alegando, em síntese, que a sugestão da extinção foi da equipe técnica do centro socioeducativo, uma vez satisfeitos pelo adolescente os eixos propostos na medida.

Sustentou que a fundamentação utilizada pelo magistrado foi inidônea e que a manutenção da medida é ilegal, por afrontar o previsto no art. 35, VI e VII da Lei nº 12.594/2012 e o art. 122, § 2º do ECA:

Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios:

(...)

VI - individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente;

VII - mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida;

 

Art. 122. (...)

§ 2º Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.

 

O STJ concordou com o pedido da defesa?

SIM.

A execução da medida socioeducativa, embora ostente viés retributivo, está conformada pelos princípios da brevidade e excepcionalidade, não havendo tempo pré-estabelecido de sua duração, bastando para sua extinção, que atenda sua finalidade, nos termos do art. 46, II, da Lei nº 12.594/2012:

Art. 46. A medida socioeducativa será declarada extinta:

(...)

II - pela realização de sua finalidade;

 

Vale ressaltar que não há vinculação do juiz ao laudo multidisciplinar elaborado no curso da execução da medida socioeducativa. Em outra palavras, o magistrado pode discordar fundamentadamente do laudo com base no princípio do livre convencimento motivado. Nesse sentido:

O parecer psicossocial não possui caráter vinculante e representa apenas um elemento informativo para auxiliar o magistrado na avaliação da medida socioeducativa mais adequada a ser aplicada. A partir dos fatos contidos nos autos, o juiz pode decidir contrariamente ao laudo com base no princípio do livre convencimento motivado.

STF. 1ª Turma. RHC 126205/PE, rel. Min. Rosa Weber, julgado em 24/3/2015 (Info 779).

 

No entanto, no caso concreto, percebe-se que o fundamento utilizado pelo magistrado teve caráter exclusivamente retributivo, finalidade que, embora presente na imposição e execução da medida socioeducativa, escapa à dosagem judicial, remanescendo apenas enquanto não atingidas as finalidades estabelecidas no plano individual de atendimento (art. 52 da Lei nº 12.594/2012), não constituindo critério legal invocável pelo juiz para manter em curso medida que já atingiu sua finalidade, principalmente a título de dilação temporal.

Na situação concreta, mesmo a equipe técnica tendo indicado que foi cumprida a finalidade da medida, o juiz e o TJ mantiveram a internação por entenderem que o período pelo qual se encontra acautelado o adolescente não foi suficiente para que ele refletisse sobre os graves atos que cometeu. Ocorre que esse argumento não possui amparo legal. Além disso, a alegada insuficiência do período em que acautelado não está ancorada em qualquer critério legal aferível, controlável. Pouco tempo de internação é um argumento muito subjetivo.

Desse modo, como esse fundamento invocado não tem previsão legal, torna-se arbitrária a manutenção da medida de internação.

Considerando os postulados da brevidade e da excepcionalidade, que na execução da medida socioeducativa restringem a intervenção do Estado ao necessário para atingimento da finalidade da medida, inviável manter a execução apenas pela menção genérica à insuficiência do tempo, a despeito, ainda, da menção ao histórico infracional do menor.

 

Em suma:

 

 

 

 

 


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