terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Os Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil não podem instituir e cobrar anuidade das sociedades de advogados

Imagine a seguinte situação hipotética:

A pessoa jurídica Barbosa Advogados Associados é uma sociedade de advogados constituída na Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil.

A OAB/SP cobrou anuidade dessa sociedade de advogados nos anos de 2016 a 2019, totalizando o valor de R$ 8.897,60.

A Barbosa Advogados Associados ajuizou ação declaratória de inexigibilidade de débito cumulada com pedido de restituição de valores contra a OAB/SP.

A autora alegou a ilegalidade da cobrança, sob o argumento de que a anuidade somente deveria ser cobrada de advogados e estagiários, e não de sociedades de advogados. Isso porque a anuidade é devida em razão da inscrição dos advogados na OAB, ao passo que a sociedade é apenas registrada, conforme preveem os arts. 8º, 9º e 58, VII, da Lei nº 8.906/94:

Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:

(...)

Art. 9º Para inscrição como estagiário é necessário:

(...)

Art. 58. Compete privativamente ao Conselho Seccional:

(...)

VII - decidir os pedidos de inscrição nos quadros de advogados e estagiários;

 

O pedido formulado encontra amparo na jurisprudência do STJ?

SIM.

A OAB, nos termos do art. 58, IX, da Lei nº 8.906/94, possui competência para impor contribuição anual (as chamadas “anuidades”):

Art. 58. Compete privativamente ao Conselho Seccional:

(...)

IX - fixar, alterar e receber contribuições obrigatórias, preços de serviços e multas;

 

Essa anuidade, contudo, é cobrada apenas daqueles que são inscritos na OAB, o que se percebe pela redação do art. 46 da Lei:

Art. 46. Compete à OAB fixar e cobrar, de seus inscritos, contribuições, preços de serviços e multas.

Parágrafo único. Constitui título executivo extrajudicial a certidão passada pela diretoria do Conselho competente, relativa a crédito previsto neste artigo.

 

O Capítulo III do Título I do Estatuto da Advocacia trata sobre a inscrição como advogado e estagiário na OAB. O art. 8º do Estatuto deixa claro que a inscrição na OAB como advogado ou como estagiário é restrita às pessoas físicas, não havendo nenhuma referência à possibilidade de que pessoas jurídicas possam ser inscritas em seu quadro.

A Lei nº 8.906/94 trata sobre as sociedades de advogados em um capítulo específico (Título I, Capítulo IV), sendo mencionado que a personalidade jurídica das sociedades de advogados se dá mediante o registro aprovado de seus atos constitutivos no Conselho Seccional da OAB:

Art. 15. Os advogados podem reunir-se em sociedade simples de prestação de serviços de advocacia ou constituir sociedade unipessoal de advocacia, na forma disciplinada nesta Lei e no regulamento geral.

§ 1º A sociedade de advogados e a sociedade unipessoal de advocacia adquirem personalidade jurídica com o registro aprovado dos seus atos constitutivos no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sede.

(...)

 

Art. 16. Não são admitidas a registro nem podem funcionar todas as espécies de sociedades de advogados que apresentem forma ou características de sociedade empresária, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam como sócio ou titular de sociedade unipessoal de advocacia pessoa não inscrita como advogado ou totalmente proibida de advogar.

 

Assim, a personalidade jurídica da sociedade de advogados surge com o registro do ato constitutivo no Conselho Seccional e as suas atividades estão restritas à prestação de serviço de advocacia, além de ser vedada a inclusão, como sócio, de advogado não inscrito na OAB ou totalmente proibido de exercer o ofício.

Aqui, é importante destacar dois aspectos:

i) a sociedade somente pode ser composta por advogados aptos a exercer essa atividade, ou seja, devidamente inscritos na OAB e que, em razão da inscrição, devem arcar com a contribuição anual obrigatória;

ii) a sociedade não está inscrita no Conselho Seccional, mas ali registrada para aquisição de personalidade jurídica, sendo vedado o registro no cartório civil de pessoas jurídicas e nas juntas comerciais que possibilite a inclusão de qualquer outra especificamente que não seja a de prestar serviços de advocacia.

 

Apesar de as sociedades de advogados serem aptas a praticar atos indispensáveis ​​às suas finalidades, com o uso da razão social, não possuem qualificação para a prática de atos privativos de advogado (art. 42 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB), o que demonstra uma clara diferença entre o registro, que confere personalidade jurídica à sociedade de advogados, e a inscrição, que habilita o advogado e o estagiário à prática de atos privativos dos advogados.

Desse modo, uma vez demonstrada a distinção entre o registro da sociedade de advogados e a inscrição da pessoa física para o exercício da advocacia, a única interpretação possível a ser extraída do art. 46 (“Compete à OAB fixar e cobrar, de seus inscritos, contribuições, preços de serviços e multas”) e do art. 58, IX, da Lei nº 8.906/94 é a de que os Conselhos Seccionais, órgãos da Ordem dos Advogados do Brasil, no uso de sua competência privativa, não podem instituir e cobrar anuidade dos escritórios de advocacia.

 

Em suma:

Os Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil não podem instituir e cobrar anuidade das sociedades de advogados. 

STJ. 1ª Seção. REsps 2.015.612-SP e REsp 2.014.023-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 25/10/2023 (Recurso Repetitivo – Tema 1179) (Info 793).


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