terça-feira, 5 de dezembro de 2023

É constitucional a concessão de auxílio destinado ao aperfeiçoamento profissional de Procuradores do Estado, remunerados sob a forma de subsídio?

O caso concreto foi o seguinte:

A Lei Complementar 89/2015, do Estado do Amapá, dispõe sore a organização e o funcionamento da Procuradoria-Geral do Estado. Trata-se da Lei Orgânica da PGE/AP.

Essa Lei previu que os membros da PGE/AP teriam direito a uma verba denominada auxílio aperfeiçoamento profissional, com o objetivo de incentivar e subsidiar a formação continuada e especialização dos Procuradores do Estado.

O auxílio é concedido para diferentes tipos de cursos e formações:

• Pós-graduação: os Procuradores recebem um adicional de 10% sobre o valor do subsídio da classe especial, por até dois anos.

• Mestrado: concede um adicional de 15% sobre o valor do subsídio da classe especial, também pelo prazo máximo de dois anos.

• Doutorado: oferece um aumento de 20% sobre o valor do subsídio da classe especial, mas com um período estendido de até quatro anos.

• Cursos relacionados à atividade institucional: proporciona um incremento de 5% sobre o subsídio da classe especial, por um período máximo de dois meses.

 

Veja a redação da Lei:

Art. 93. A percepção do subsídio não exclui o pagamento e a percepção das seguintes verbas ou vantagens:

(...)

VII - auxílio aperfeiçoamento profissional;

 

Art. 102. É devido auxílio-aperfeiçoamento profissional ao Procurador do Estado relativo aos seguintes cursos:

I - Pós-graduação, no importe de 10% sobre o valor do subsídio do Procurador do Estado da classe especial, pelo prazo máximo de 2 (dois) anos;

II - mestrado, no importe de 15% sobre o valor do subsídio do Procurador do Estado da classe especial, pelo prazo máximo de 2 (dois) anos;

III - doutorado, no importe de 20% sobre o valor do subsídio do Procurador do Estado da classe especial, pelo prazo máximo de 4 (quatro) anos;

IV - cursos relacionados à atividade institucional da Procuradoria-Geral do Estado, no importe de 5% sobre o valor do subsídio do Procurador do Estado da classe especial, pelo prazo máximo de 2 (dois) meses.

§ 1º Os cursos terão que possuir relação com a atividade desenvolvida pela Procuradoria-Geral do Estado.

§ 2º O Procurador do Estado deve comprovar sua matrícula no referido curso para percepção do auxílio aperfeiçoamento profissional, o qual somente será devido durante o curso.

§ 3º Para os efeitos desta lei será considerado apenas um curso por período, vedada a indenização por curso concomitante.

 

ADI

O Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra esses dispositivos.

Alegou que o auxílio supracitado seria incompatível com o regime de subsídio previsto no art. 39, § 4º, da CF/88:

Art. 39 (...)

§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

 

Para o PGR, a vantagem consistiria em mero vencimento adicional, sem nenhuma vinculação com o cargo, sendo, portanto, inconstitucional por violar o modelo constitucional do subsídio.

 

O STF acolheu os argumentos do PGR? Os dispositivos impugnados foram declarados inconstitucionais?

NÃO.

A Emenda Constitucional 19/1998 estipulou o regime remuneratório de subsídio, que consiste no pagamento de parcela única, vedado o acréscimo de outras parcelas remuneratórias, para os Membros do Executivo, Legislativo e Judiciário; os detentores de cargos eletivos; os Ministros de Estado; os Secretários Estaduais e Municipais; os Membros do Ministério Público; os integrantes da Advocacia-Geral da União; os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal; os Defensores Públicos; os Ministros do Tribunal de Contas da União e os Policiais (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 35. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022).

Desse modo, os Procuradores do Estado estão sujeitos ao regime de subsídios (art. 39, § 4º, da CF/88). Logo, como regra, além do subsídio, não podem receber “qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória”.

O regime constitucional de remuneração por subsídio teve o objetivo de racionalizar a forma de remuneração de algumas carreiras públicas.

A instituição desse regime de parcela única voltou-se, portanto, à exclusão de “penduricalhos”, rubricas com os mais diversos nomes, criadas, muitas vezes, para camuflar aumentos remuneratórios incompatíveis com a realidade econômica e financeira do Estado.

Vale ressaltar que os membros da PGE, mesmo estando sujeitos ao regime de subsídio, podem receber verbas de natureza indenizatória, ou que correspondam a circunstâncias excepcionais com fundamento diverso da remuneração do exercício do cargo público.

O subsídio pode coexistir com direitos constitucionalmente obrigatórios (como o terço de férias) e os pagamentos por serviços extraordinários ou reembolsos de despesas relacionadas ao serviço. O que é proibido são aumentos salariais disfarçados de indenizações que violam o teto constitucional e a regra do subsídio em parcela única.

Benefícios funcionais justos e legítimos, como o “auxílio-aperfeiçoamento” previsto na Lei Complementar nº 89/2015 do Amapá, são compatíveis com os princípios republicanos e de moralidade, por serem estritamente indenizatórios. Esses benefícios são destinados a ressarcir agentes públicos por despesas excepcionais em benefício da Administração Pública.

Nesse contexto, conclui-se que o auxílio ao aperfeiçoamento profissional instituído pela legislação amapaense tem caráter excepcional, na medida em que é pago durante período determinado. Além disso, está vinculado estritamente à participação do membro da PGE em cursos que guardem nexo causal com as suas atividades institucionais. O adicional em questão possui, portanto, natureza indenizatória, não violando a regra remuneratória do subsídio em parcela única.

Ressalto, ainda, que os princípios republicano e da moralidade também devem ser aqui considerados. O primeiro impõe justamente a vedação aos privilégios, constituindo norte, nesse sentido, para caracterizar, como válidos ou não, os eventuais acréscimos e gratificações à parcela mensal única dos agentes públicos. O segundo – o princípio da moralidade – impõe aos agentes públicos o dever geral de boa administração, pautada nos imperativos de honestidade, boa-fé e vinculação ao interesse público. Sendo assim, a percepção do referido auxílio pressupõe a comprovação, pelo beneficiário, da regular matrícula em curso que tenha pertinência com as atividades institucionais do cargo de Procurador do Estado. Além disso, o pagamento do auxílio somente se justifica durante o prazo em que subsistirem as condições que deram causa à sua instituição, qual seja, a carência de oferta de cursos regulares de pós-graduação em Direito no Estado do Amapá.

 

Em suma:

É constitucional — quando caracterizada a natureza indenizatória da verba — a concessão de auxílio destinado ao aperfeiçoamento profissional de membros de procuradoria estadual, remunerados sob a forma de subsídio.

STF. Plenário. ADI 7271/AP, Rel. Min. Edson Fachin, Rel. para o acórdão Min. Luiz Roberto Barroso, julgado em 1º/9/2023 (Info 1108).

 

Com base nesse entendimento, o STF, por maioria, julgou improcedente o pedido e declarou a constitucionalidade dos arts. 93, VII, e 102, I a IV, e §§ 1º, 2º e 3º, ambos da Lei Complementar 89/2015 do Estado do Amapá.

 

DOD Plus – compare com esse outro julgado no qual a conclusão foi diversa

É inconstitucional norma estadual que prevê adicional de auxílio-aperfeiçoamento profissional aos magistrados

É inconstitucional — por violar o art. 39, § 4º, da CF/88, haja vista o caráter de indevido acréscimo remuneratório — norma estadual que prevê adicional de “auxílio-aperfeiçoamento profissional” aos seus magistrados.

STF. Plenário. ADI 5.407/MG, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 01/07/2023 (Info 1102).


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