quinta-feira, 2 de outubro de 2025
Nos processos eletrônicos, a sentença condenatória interrompe a prescrição quando é disponibilizada nos autos digitais, não quando publicada no Diário da Justiça
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Regina praticou um crime de
trânsito em 01 de setembro de 2017.
Ela foi denunciada pelo
Ministério Público.
A denúncia foi recebida pelo juiz
em 2 de agosto de 2018.
O recebimento da denúncia interrompe a prescrição, na forma
do art. 117, I, do Código Penal:
Art. 117 - O curso da prescrição
interrompe-se:
I - pelo recebimento da denúncia ou da
queixa;
(...)
Isso significa que, nesta data
(recebimento da denúncia), o prazo prescricional recomeçou do zero.
Em 28 de julho de 2021, o juiz
proferiu sentença condenando Regina a 9 meses de detenção.
Como o processo era eletrônico, a
sentença foi assinada digitalmente pelo magistrado e automaticamente
disponibilizada nos autos digitais nessa mesma data.
Contudo, a sentença só foi
publicada no Diário da Justiça Eletrônico muito tempo depois, em 30 de junho de
2022.
Marcos temporais relevantes:
• Recebimento da denúncia: 2 de
agosto de 2018.
• Disponibilização da sentença
nos autos digitais: 28 de julho de 2021.
• Publicação no Diário da
Justiça: 30 de junho de 2022.
• Prazo prescricional para a pena
aplicada em concreto: 3 anos, nos termos do art. 109, VI, do CP.
A defesa de Regina, percebendo
essa diferença de datas, alegou que havia ocorrido prescrição da pretensão
punitiva retroativa.
Como entre o recebimento da
denúncia (2 de agosto de 2018) e a publicação da sentença no Diário da Justiça
(30 de junho de 2022) transcorreram quase 4 anos, teria ocorrido a prescrição.
A defesa sustentou que, em
processos eletrônicos, a data que deve ser considerada para interrupção da
prescrição é a publicação no Diário da Justiça, conforme a Lei nº 11.419/2006,
que estabelece que os atos judiciais são considerados publicados no primeiro
dia útil seguinte à disponibilização eletrônica.
O Ministério Público se insurgiu alegando
que, nos processos eletrônicos, a prescrição se interrompe no momento em que a
sentença é assinada e disponibilizada nos autos digitais, e não na data da
publicação no Diário da Justiça. Logo, teria havido a interrupção da prescrição
em 28 de julho de 2021, antes de se passarem 3 anos do recebimento da denúncia.
O que decidiu o STJ? Em
processos eletrônicos, qual é o marco interruptivo da prescrição: a data da
disponibilização da sentença nos autos digitais ou a data de sua publicação no
Diário da Justiça?
A data em que a sentença é
assinada e disponibilizada nos autos digitais (o STJ concordou com o MP).
A defesa sustentou a tese de que a sentença interrompe o
curso da prescrição a partir do primeiro dia útil seguinte à sua publicação
no Diário da Justiça Eletrônico, nos termos do art. 4º, § 3º, da Lei nº
11.419/2006:
Lei nº 11.419/2006 (Lei do Processo
Eletrônico)
Art. 4º Os tribunais poderão criar
Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de
computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e
dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral.
(...)
§ 3º Considera-se como data da
publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no
Diário da Justiça eletrônico.
No entanto, esse preceito legal
se refere ao início da contagem dos prazos processuais para as partes.
Para os fins do art. 107, IV, do Código Penal, considera-se
publicada a sentença, no âmbito dos processos eletrônicos, quando
disponibilizada nos autos digitais. Com base em que dispositivo? No art. 389 do
CPP:
Art. 389. A sentença será publicada em
mão do escrivão, que lavrará nos autos o respectivo termo, registrando-a em
livro especialmente destinado a esse fim.
“Em mão do escrivão”: o que
significa isso?
Na época do processo físico, “em
mão do escrivão” significava quando a sentença saía do gabinete do juiz e era
entregue ao escrivão ou diretor de secretaria, sendo isso consignado
(“registrado”) nos autos por termo.
Ocorre que o art. 389 do CPP deve
ser interpretado de forma contemporânea, segundo a realidade processual
digital.
O referido preceito legal deve
ser adaptado ao contexto atual do processo eletrônico, no qual o registro e a
disponibilização nos autos ocorrem automaticamente, de forma simultânea à
assinatura digital da sentença pelo magistrado.
Nos processos eletrônicos, não se
lavra termo nos autos nem há registro em livro de sentenças, instrumentos que
foram substituídos pelo sistema digital.
No caso dos autos, segundo
informação impressa à margem direita da sentença, ela foi assinada e
disponibilizada nos autos no dia 28 de julho de 2021, constituindo essa data o
marco interruptivo da prescrição, nos termos do art. 117, IV, do Código Penal. Logo,
não se consumou a prescrição retroativa.
A data de publicação da sentença
no Diário da Justiça não é a data que interrompe a prescrição. Nos processos
digitais, a sentença interrompe a prescrição no dia em que ela é
disponibilizada nos autos.
Em suma:
O marco interruptivo da prescrição, nos processos
eletrônicos, ocorre na data em que a sentença é assinada e disponibilizada nos
autos digitais, equiparando-se a disponibilização eletrônica da sentença à
entrega física ao escrivão.
STJ. 5ª
Turma. AgRg nos EDcl no REsp 2.086.256-SP, Rel. Min. Carlos Cini Marchionatti
(Desembargador convocado do TJRS), julgado em 19/8/2025 (Info 860).
