sábado, 11 de fevereiro de 2023

A SELIC pode ser utilizada como índice de correção monetária das prestações do contrato de contrato de compra e venda de imóvel?

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João celebrou contrato de promessa de compra e venda de um imóvel com a empresa Alfa Empreendimentos Imobiliários.

O valor do imóvel era de R$ 100 mil, que deveriam ser pagos em 50 prestações de R$ 2 mil, corrigidas mensalmente segundo a SELIC.

A cláusula que previa o reajuste das parcelas mensais era assim redigida:

Cláusula 8º Todas as parcelas relativas a este contrato, previstas nesta clausula ou em outras clausulas deste instrumento, serão corrigidas pela taxa SELIC – Sistema Especial de Liquidação e Custódia.

 

Passados alguns meses, o autor ajuizou ação revisional contra a empresa alegando que a taxa SELIC não pode ser utilizada como índice de correção monetária em contratos particulares. Pediu para que a SELIC fosse substituída pelo Índice Geral de Preços de Mercado, calculado mensalmente pela Fundação Getúlio Vargas (IGPM/FGV).

 

O pedido de João encontra amparo na jurisprudência do STJ? Esse cláusula 3.5.2 é ilegal?

NÃO. Não há, em princípio, óbice legal para que a SELIC seja utilizada em contratos envolvendo particulares.

 

SELIC

A SELIC é a sigla para Sistema Especial de Liquidação e Custódia. Trata-se de um índice de correção monetária, que também inclui os juros.

De quanto é o percentual da taxa SELIC?

Depende. A SELIC é uma taxa estabelecida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) com base em uma fórmula matemática que leva em consideração diversas variáveis.

Desse modo, a taxa SELIC é variável, não sendo um percentual fixo.

Vale ressaltar que o Copom é um comitê composto pela Diretoria Colegiada do Banco Central e, com base nas metas que o órgão tiver para a economia brasileira, os dados que alimentam essa fórmula de cálculo da SELIC irão variar. Ex: o BACEN tem procurado incentivar o crédito no país, por isso, a taxa SELIC vem sofrendo um processo de redução. Quando o governo deseja conter a inflação, normalmente se vale do aumento da taxa SELIC para frear o consumo.

 

Correção monetária x juros

A correção monetária serve para recompor o poder aquisitivo original da moeda, corroído pelos efeitos da inflação, nada acrescentando ao seu valor.

Os juros, por sua vez, têm a natureza de frutos civis e constituem obrigação acessória dos contratos onerosos, com fins de recompensar o credor ou de ressarcir a demora no pagamento do débito. Eles se subdividem em duas espécies:

 

Juros remuneratórios ou compensatórios

Juros moratórios

Têm como função remunerar o credor pela privação do seu capital.

Têm o papel de indenizar o credor pelo atraso no pagamento da dívida.

Os juros compensatórios são, em regra, convencionais.

Os juros moratórios podem ser determinados:

• pela lei (sendo então juros moratórios legais); ou

• por convenção (juros moratórios convencionais).

 

Em um mesmo contrato, respeitados eventuais limites previstos na legislação de regência, os contratantes podem pactuar tanto a incidência de juros remuneratórios, para a remuneração do credor, quanto juros moratórios, os quais somente incidirão na hipótese de mora no cumprimento da obrigação.

 

É possível, em tese, que o contrato de compra e venda de imóvel preveja a incidência de juros remuneratórios sobre as prestações a serem pagas?

SIM. No julgamento dos EREsp 670.117/PB, a Segunda Seção do STJ firmou orientação no sentido da legalidade da estipulação, em contrato de compra e venda de imóvel à prestação, de cláusula que preveja a cobrança de juros compensatórios:

(...) 1. Na incorporação imobiliária, o pagamento pela compra de um imóvel em fase de produção, a rigor, deve ser à vista. Nada obstante, pode o incorporador oferecer prazo ao adquirente para pagamento, mediante parcelamento do preço. Afigura-se, nessa hipótese, legítima a cobrança de juros compensatórios.

2. Por isso, não se considera abusiva cláusula contratual que preveja a cobrança de juros antes da entrega das chaves, que, ademais, confere maior transparência ao contrato e vem ao encontro do direito à informação do consumidor (art. 6º, III, do CDC), abrindo a possibilidade de correção de eventuais abusos.

(...)

5. Embargos de divergência providos, para reformar o acórdão embargado e reconhecer a legalidade da cláusula do contrato de promessa de compra e venda de imóvel que previu a cobrança de juros compensatórios de 1% (um por cento) a partir da assinatura do contrato.

STJ. 2ª Seção. EREsp 670.117/PB, relator para acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 13/6/2012.

 

É possível que a vendedora do imóvel preveja o reajuste das parcelas com base na taxa SELIC acrescida de juros remuneratórios? Exemplo hipotético envolvendo outro contrato: “Cláusula 9º Todas as parcelas relativas a este contrato, previstas nesta clausula ou em outras clausulas deste instrumento, serão corrigidas pela taxa SELIC – Sistema Especial de Liquidação e Custódia, acrescidas de juros remuneratórios de 0,5% ao mês”. Esse cláusula seria válida?

Aí, NÃO. Isso porque a taxa SELIC já abrange juros e correção monetária. Em razão disso, não pode ser cumulada a nenhum outro índice que exprima tais consectários.

Assim, se for pactuada a incidência da taxa SELIC a título de correção monetária das parcelas contratuais, não será possível cumulá-la com juros remuneratórios, uma vez que os juros já estão englobados nesse índice. Atenção! Para a Ministra Nancy Andrighi, isso não impedirá, contudo, a estipulação de juros de mora, já que possuem finalidade distinta dos juros remuneratórios.

 

Voltando aos exemplos hipotéticos:

• Cláusula 8º do contrato X: prevê a incidência da taxa SELIC a título de correção monetária das parcelas do contrato, sem a incidência cumulativa de juros remuneratórios. Logo, essa previsão contratual não é abusiva.

• Cláusula 9º do contrato Y: seria abusiva porque houve a convenção de incidência simultânea de correção monetária das parcelas pela taxa SELIC e de juros remuneratórios. Assim, estaríamos diante de verdadeiro bis in idem.

 

Em suma:

 

 


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