domingo, 19 de fevereiro de 2023

Se o juiz de uma outra comarca, designado para atuar em um mutirão, profere sentença penal condenatória, haverá nulidade por ofensa aos princípios do juízo natural e da identidade física do juiz?

 

Princípio da identidade física do juiz

A Lei nº 11.719/2008 introduziu, no processo penal, o princípio da identidade física do juiz, até então somente existente no processo civil. A inovação foi inserida no § 2º do art. 399 do CPP:

Art. 399 (...) § 2º O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.

 

A razão de ser desta previsão está no fato de que o juiz que instruiu o processo é a pessoa mais indicada para decidir considerando que foi ela quem teve contato pessoal e direto com as provas (especialmente os testemunhos e interrogatório) e, com isso, pode formar sua convicção de maneira mais precisa.

 

Este princípio é absoluto ou admite exceções?

O CPP não traz nenhuma exceção a este princípio. No entanto, o STJ afirma o princípio da identidade física do juiz não pode ser levado às últimas consequências nem ser tratado como absoluto.

Assim, por exemplo, se o magistrado que instruiu o processo foi afastado da jurisdição sobre aquela Vara por qualquer motivo, o juiz que o sucedeu poderá sentenciar normalmente o processo, sem que haja ofensa ao princípio da identidade física do juiz.

 

Feitas essas considerações, veja a situação concreta, com adaptações, enfrentada pelo STJ:

João respondia a um processo penal na 2ª Vara criminal da Comarca de Criciúma (SC).

O Juiz da Comarca de Tubarão (SC) julgou o processo e condenou João pelo cometimento do crime.

A Defensoria Pública impetrou habeas corpus em favor do condenado suscitando a nulidade absoluta da sentença, uma vez que foi prolatada por magistrado não lotado na comarca de Criciúma e que não fez a audiência de instrução. Logo, teria havido nulidade por violação ao princípio da identidade física do juiz.

A ordem foi denegada pelo TJ/SC.

O Tribunal argumentou que a sentença foi proferida pelo Juízo de Direito titular da 1ª Vara Criminal da Comarca de Tubarão (SC), em razão do Programa CGJ-Apoia, instituído pelo TJ para “viabilizar o julgamento dos feitos que integram o acervo excedente de processos acumulados da justiça de primeiro grau e de implantar boas práticas administrativas e medidas voltadas à organização, racionalização e uniformização dos procedimentos e métodos de trabalho das unidades de primeiro grau.”

Em outras palavras, foi uma espécie de mutirão instituído pelo TJ para reduzir o acervo de comarcas que estavam com um excedente de processos acumulados.

Sendo assim, o TJ/SC expediu portaria e designou os magistrados que receberiam os feitos excedentes provenientes de outras comarcas, o que foi feito, não havendo nulidade a ser reconhecida.

Ainda irresignada, a Defensoria Pública impetrou novo habeas corpus, desta vez para o STJ.

 

O STJ concedeu a ordem no habeas corpus? Houve nulidade no presente caso?

NÃO.

O processo em questão foi redistribuído entre magistrados em razão do Programa CGJ-APOIA, instituído com o objetivo de permitir o julgamento dos feitos que integravam o acervo excedente de processos acumulados.

Constatado que o Juiz sentenciante foi designado por Portaria do Tribunal criada para reduzir o congestionamento de processos judiciais e otimizar as atividades do primeiro grau, inexiste ilegalidade a ser reparada.

O STJ já julgou outros casos semelhantes e possui firme entendimento no sentido de que:

Não há nulidade no processo pelo fato de outro magistrado ter proferido a sentença, haja vista que estava designado para atuar como cooperador na respectiva Vara, designado pelo Programa CGJ Apoia (Portaria GP nº 1870, de 21 de setembro de 2020, com data retroativa de 1º de agosto de 2020).

O princípio da identidade física do juiz não é absoluto, podendo ser excepcionado em hipóteses como a dos autos, em que o magistrado que presidiu a instrução foi auxiliado por outro em esquema de colaboração na condução dos processos sob sua responsabilidade na Vara, não havendo falar-se em nulidade.

STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 676.173/SC, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), DJe 11/3/2022.

 

Em suma:

Se o magistrado prolator da sentença estava designado pelo Programa CGJ-Apoia para atuar como cooperador na respectiva vara, não há abalo ao princípio da identidade física do juiz.

STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 523.501-SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 14/11/2022 (Info Especial 10).

 

No mesmo sentido:

O princípio da identidade física do juiz não se trata de um princípio absoluto.

Assim, no que tange ao princípio do juiz natural, consolidou-se no STJ entendimento no sentido de que não ofende tal princípio a designação de magistrados em regime de mutirão (penal, cível ou carcerário), no interesse objetivo da jurisdição, para atuar em feitos genericamente atribuídos e no objetivo da mais célere prestação jurisdicional. No caso concreto, não se demonstrou ter havido escolha de magistrados para julgamento deste ou daquele processo.

Conclui-se, portanto, não haver ilegalidade a ser sanada.

STJ. 5ª Turma. HC 441.393/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 18/08/2020.


Haveria, no caso, violação ao princípio do juízo natural?

Também não.

(...) 2. Consolidou-se nesta Corte Superior de Justiça entendimento no sentido de que não ofende o princípio do juiz natural a designação de magistrados em regime de mutirão (penal, cível ou carcerário), no interesse objetivo da jurisdição, para atuar em feitos genericamente atribuídos e no objetivo da mais célere prestação jurisdicional. Precedentes.

3. No caso concreto, não houve escolha de magistrados para julgamento deste ou daquele processo. Pelo contrário, a designação se deu de maneira ampla e indiscriminada para a atuação em período certo de tempo, de modo a conferir eficiência à prestação jurisdicional e efetividade ao princípio da duração razoável dos processos, conforme o disposto na Instrução Normativa (...)

STJ. 5ª Turma. HC 449.361/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 12/3/2019.

 

 

 

 


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