domingo, 5 de fevereiro de 2023

A tempestividade do recurso especial e do respectivo agravo em recurso especial deve ser aferida de acordo com os prazos em curso na Corte de origem

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João ajuizou ação contra Pedro, tendo o pedido sido julgado improcedente.

O autor interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça manteve a sentença.

Ainda inconformado, em fevereiro de 2021, João interpôs recurso especial contra o acórdão do TJ.

Como se sabe, o recurso especial é interposto no Tribunal de origem, ou seja, no juízo a quo (recorrido) e não diretamente no juízo ad quem (STJ). Isso está previsto no art. 1.029 do CPC:

Art. 1.029.  O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão:

(...)

 

A parte recorrida (em nosso exemplo, Pedro) será intimada para apresentar suas contrarrazões.

Após, o Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal (isso vai depender do regimento interno), em decisão monocrática, irá fazer um juízo de admissibilidade do recurso especial:

Se o juízo de admissibilidade for POSITIVO

Se o juízo de admissibilidade for NEGATIVO

Significa que o Presidente (ou Vice) do Tribunal entendeu que os pressupostos do REsp estavam preenchidos e, então, remeterá o recurso para o STJ.

Significa que o Presidente (ou Vice) do Tribunal entendeu que algum pressuposto do REsp não estava presente e, então, não admitirá o recurso.

Contra esta decisão, não cabe recurso, considerando que o STJ ainda irá examinar novamente esta admissibilidade.

Contra esta decisão, a parte prejudicada poderá interpor recurso, como é o caso do agravo em recurso especial (art. 1.042 do CPC).

 

Voltando ao nosso caso concreto:

O Vice-Presidente do TJ inadmitiu o recurso especial interposto.

Ainda inconformado, João ingressou com agravo em recurso especial:

Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.

 

O prazo para interpor agravo em recurso especial (AREsp) é de 15 dias úteis.

João interpôs o agravo em recurso especial no último dia do prazo.

Na conferência para verificar se João interpôs o recurso dentro do prazo, o Ministro do STJ considerou que João perdeu o prazo. Isso porque no período entre a intimação da decisão do Vice-Presidente do TJ e a interposição do agravo em recurso especial, um dos dias foi segunda-feira de carnaval.

Segunda-feira de carnaval não é um feriado nacional. No entanto, em diversos Estados, trata-se de feriado local. No Estado onde tramitava o processo de João, segunda-feira de carnaval é feriado estadual (ou seja, dia não útil).

Assim, o Ministro do STJ que estava conferindo a tempestividade não desconsiderou esse dia e considerou que João perdeu o prazo e que interpôs o AREsp no 16º dia útil.

No entanto, conforme expliquei, um desses dias era feriado local (segunda-feira de carnaval) e, dessa forma, esse dia poderia ter sido excluído da contagem do prazo (desde que comprovado o feriado). Isso significa que João interpôs o recurso no 15º dia útil e, portanto, o AREsp seria tempestivo (se comprovado o feriado).

 

João, ao apresentar o AREsp, tem o ônus de explicar e comprovar que, na instância de origem, era feriado local ou dia sem expediente forense? Em outras palavras, em fevereiro de 2021, quando João interpôs o AREsp, ele tinha que ter comprovado que houve um feriado local (segunda-feira de carnaval) e que, portanto, o recurso era tempestivo?

SIM.

O CPC/2015 trouxe expressamente um dispositivo dizendo que a comprovação do feriado local deverá ser feita, obrigatoriamente, no ato de interposição do recurso. Veja:

Art. 1.003 (...)

§ 6º O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso.

 

Voltando ao caso concreto:

O Ministro do STJ, monocraticamente, inadmitiu o agravo em recurso especial afirmando que ele foi intempestivo.

João interpôs agravo interno contra a decisão monocrática do Ministro, recurso que é endereçado e julgado por uma das Turmas do STJ.

No agravo interno João o próprio STJ, por intermédio da Portaria nº XXX, de 2020, suspendeu os prazos processuais no âmbito do STJ na segunda-feira de carnaval. Portanto, tendo havido a suspensão de prazo processual pelo próprio STJ, ele (João) não precisava ter comprovado o feriado local da segunda-feira de carnaval.

Repetindo o argumento de João com outras palavras:

- o recurso que eu interpus não foi conhecido por intempestividade já que eu não comprovei um feriado local;

- ok, eu não comprovei mesmo;

- no entanto, isso não importa porque nesse dia (segunda-feira de carnaval), não houve expediente forense no STJ;

- eu não preciso comprovar o dia em que não há expediente forense no STJ (só preciso comprovar feriado local).

 

Os argumentos de João foram aceitos pelo STJ?

NÃO. Isso porque se o que está sendo analisado é a tempestividade do recurso especial ou do agravo em recurso especial, não importa o calendário do STJ (se houve expediente, ou não no Tribunal Superior). O que interessa é o calendário da Corte de origem (no caso, do TJ).

O prazo dos recursos interpostos perante a instância de origem, ainda que estejam endereçados para este Tribunal Superior, obedecem ao calendário de funcionamento do Tribunal a quo, sendo irrelevante para a verificação da tempestividade do recurso a existência de recesso forense no STJ.

A ausência de expediente forense no Tribunal de Justiça (ex: segunda-feira de carnaval) deve ser comprovada por documento idôneo, pois não se presume como algo público e notório em âmbito nacional. Não basta, portanto, a simples alegação.

Ainda que nesse mesmo dia do feriado local não seja dia útil no STJ, isso não interessa porque o recesso forense do STJ é irrelevante à verificação da tempestividade do recurso especial, que deve ser interposto na instância de origem.

 

Em suma:

A tempestividade do recurso especial e do respectivo agravo em recurso especial deve ser aferida de acordo com os prazos em curso na Corte de origem.

STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 2.118.653-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 28/11/2022 (Info Especial 8).

 

 

 


Print Friendly and PDF