quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

LC 164/2018 altera a Lei de Responsabilidade Fiscal. Entenda



Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada mais uma importante novidade legislativa.

Trata-se da LC 164/2018, que acrescentou dois novos parágrafos ao art. 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000).

Vamos entender o que mudou.

Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)
A Lei Complementar nº 101/2000 estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. Ela é popularmente conhecida como "Lei de Responsabilidade Fiscal".

Limites de gastos com pessoal
A LRF estabelece valores máximos que a União, os Estados/DF e os Municípios poderão gastar com despesas de pessoal (despesas com servidores públicos).
A Lei prevê esses limites por força de uma determinação contida no art. 169 da CF/88:
Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

Quais são os limites previstos na LRF?
Tais limites estão fixados nos arts. 19 e 20 da LRF e podem ser assim resumidos:
UNIÃO
ESTADOS/DF
MUNICÍPIOS
Limite máximo de gastos:
50% da receita corrente líquida
Limite máximo de gastos:
60% da receita corrente líquida
Limite máximo de gastos:
60% da receita corrente líquida
Desse total de 50%, cada "Poder" só pode gastar até os seguintes limites:
§  Executivo: 40,9%
§  Legislativo (e TCU): 2,5%
§  Judiciário: 6%
§  MPU: 0,6%
Desse total de 60%, cada "Poder" só pode gastar até os seguintes limites:
§  Executivo: 49%
§  Legislativo (e TCE): 3%
§  Judiciário: 6%
§  MPE: 2%
Desse total de 60%, cada "Poder" só pode gastar até os seguintes limites:
§  Executivo: 54%
§  Legislativo (e TCM): 6%
§  Judiciário: não tem aqui.
§  MP: não tem aqui.

Veja que, para cada ente, há duas espécies de limites de gastos:
1) Limite máximo (limite total). Ex: no caso dos Municípios, o limite total é de 60% da RCL;
2) Limites individualizados para o Executivo, Legislativo etc. Exs: no caso dos Municípios, os limites individualizados são 54% para o Executivo (“Prefeitura”) e 6% para o Legislativo (“Câmara Municipal”).

Sanções
A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê, em seu art. 23, caput e § 3º, que, se esses limites forem ultrapassados, os entes poderão sofrer determinadas sanções:
Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as providências previstas nos §§ 3º e 4º do art. 169 da Constituição.
(...)
§ 3º Não alcançada a redução no prazo estabelecido, e enquanto perdurar o excesso, o ente não poderá:
I - receber transferências voluntárias;
II - obter garantia, direta ou indireta, de outro ente;
III - contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal.

O que fez a LC 164/2018?
Acrescentou duas exceções à regra da punição, ou seja, duas hipóteses nas quais o Município, mesmo tendo descumprido o limite de gastos com pessoal, não receberá tais sanções.
Essas duas situações foram previstas no novo § 5º do art. 23:
Art. 23 (...)
§ 5º As restrições (leia-se: sanções) previstas no § 3º deste artigo não se aplicam ao Município em caso de queda de receita real superior a 10% (dez por cento), em comparação ao correspondente quadrimestre do exercício financeiro anterior, devido a:
I – diminuição das transferências recebidas do Fundo de Participação dos Municípios decorrente de concessão de isenções tributárias pela União; e
II – diminuição das receitas recebidas de royalties e participações especiais.

A LC 164/2018 também inseriu o § 6º prevendo o seguinte:
§ 6º O disposto no § 5º deste artigo só se aplica caso a despesa total com pessoal do quadrimestre vigente não ultrapasse o limite percentual previsto no art. 19 desta Lei Complementar, considerada, para este cálculo, a receita corrente líquida do quadrimestre correspondente do ano anterior atualizada monetariamente.

Relembrando o que diz o art. 19, mencionado neste § 6º:
Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:
I - União: 50% (cinquenta por cento);
II - Estados: 60% (sessenta por cento);
III - Municípios: 60% (sessenta por cento).

Resumindo:
Para que o Município fique livre das sanções administrativas aplicadas em caso de excesso nas despesas com pessoas, será necessário cumprir as seguintes condições cumulativas:
1) o Município deve ter tido, no quadrimestre, queda de receita real superior a 10%, em comparação com o correspondente quadrimestre do exercício anterior;
2) a referida queda de receita tenha decorrido:
a) de isenções fiscais concedidas pela União que levem à diminuição das transferências do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ou
b) da diminuição das receitas recebidas de royalties e participações especiais;
3) a despesa total com pessoal do Município (somando-se a da “Prefeitura”/Poder Executivo com a da “Câmara de Vereadores”/Legislativo), verificada no quadrimestre, não tenha ultrapassado o limite geral de 60% da Receita Corrente Líquida.

Tem uma informação importante a ser ressaltada mais uma vez porque talvez ainda não tenha ficado muito clara:
Somente serão beneficiados com esse novo § 5º do art. 23 os Municípios que respeitaram o limite máximo de 60%, mas que descumpriram um dos dois limites individualizados (ou o limite da “Prefeitura” ou o limite da “Câmara”) em razão da queda real de arrecadação superior a 10%.
Ex: o Município X gastou 60% da RCL com pessoal, sendo que foram gastos 55% para o Executivo (Prefeitura) e 5% para o Legislativo (Câmara). Esse Município ultrapassou o limite individualizado da Prefeitura (que era de 54%), mas não superou o limite máximo (que é de 60%). Logo, em tese, a ele se aplica o § 5º do art. 23.
Ex2: o Município X gastou 61% da RCL com pessoal. Não importa que isso tenha ocorrido por queda de arrecadação. A ele não se aplica o § 5º do art. 23 porque não foi respeitado o art. 19 da Lei de Responsabilidade Fiscal, conforme exige o § 6º do art. 23.

Observações finais:
• A LC 164/2018 não flexibiliza (não dilata/não aumenta) o limite máximo previsto para despesas com pessoal dos Municípios (continua tendo que respeitar ao 60% da RCL);
•  Assim, os Municípios que ultrapassarem o limite da despesa total com pessoal (60% da RCL), continuarão sofrendo as sanções previstas na LRF;
• Os municípios que romperem limites individuais de despesa com pessoal (Prefeitura ou Câmara) em razão de AUMENTOS de gastos continuam sujeitos às sanções da LRF. Ex: Município decidiu contratar mais funcionários. Isso porque o § 5º somente isenta das sanções se o desrespeito do limite individualizado decorreu de queda da receita oriunda do FPM ou dos royalties.

Vigência e eficácia
A LC 164/2018 entro em vigor na data de sua publicação (19/12/2018) e produz efeitos de 2019 em diante.

Fonte
Para entender melhor o tema, recomendo a leitura do substancioso estudo elaborado pelos Consultores de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados Eugênio Greggianin e Graciano Rocha Mendes.
Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/anexos/566586_nota_tecnica_plp_270.pdf

Márcio André Lopes Cavalcante
Professor. Juiz Federal.





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