sábado, 22 de dezembro de 2018

Lei 13.775/2018: regulamenta a duplicata sob a forma escritural ("duplicata virtual")



Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada ontem (21/12/2018) uma importantíssima lei tratando sobre Direito Empresarial. Trata-se da Lei nº 13.775/2018, que regulamente a duplicata sob a forma escritural.

Vamos entender sobre o que trata a lei. Antes, no entanto, acho importante fazermos uma revisão sobre os principais aspectos da duplicata.

NOÇÕES GERAIS SOBRE DUPLICATA
Conceito de duplicata
Duplicata é...
- um título de crédito
- que consiste em uma ordem de pagamento emitida pelo próprio credor
- por conta de mercadorias que ele vendeu ou de serviços que prestou
- e que estão representados em uma fatura
- devendo ser paga pelo comprador das mercadorias ou pelo tomador dos serviços.

Título de crédito genuinamente brasileiro
A duplicata foi criada pelo direito brasileiro, sendo considerada um título genuinamente brasileiro.

Regulamentação
A duplicata é regida pela Lei nº 5.474/68 e, agora, também pela Lei nº 13.775/2018.

O que é a fatura?
A fatura é um documento emitido pelo vendedor ou prestador de serviços no qual são discriminadas as mercadorias que foram vendidas ou os serviços prestados.
Na fatura constam a descrição e os preços dos produtos vendidos ou do serviço prestado.
Todas as vezes que for celebrado um contrato de compra e venda mercantil entre partes domiciliadas no Brasil, com prazo não inferior a 30 dias, contado da data da entrega ou despacho das mercadorias, o vendedor é obrigado a extrair uma fatura para apresentar ao comprador (art. 1º, da Lei nº 5.474/68).
No caso de prestação de serviços (qualquer prazo) ou de compra e venda inferior a 30 dias, a emissão de fatura é facultativa.

Duplicata e fatura são documentos diferentes
A fatura não é título de crédito. O título é a duplicata, que é emitida a partir de uma fatura. A fatura apenas prova a existência do contrato.

Exemplo de emissão de duplicata
O distribuidor “SILVA & SOUZA Ltda.” vendeu para a loja “Bompé” 70 pares de sapatos.
O distribuidor (vendedor) extrai uma fatura dos produtos e emite uma duplicata mercantil dando uma ordem à loja (compradora) para que ela pague ao próprio vendedor o preço dos pares de sapato e eventuais encargos contratuais.

Espécies de duplicata
• Duplicata mercantil: emitida por causa da compra e venda mercantil.
• Duplicata de serviços: emitida por causa da prestação de serviços.

Características da duplicata
a) Título causal: a duplicata só pode ser emitida para documentar o crédito decorrente de dois negócios jurídicos: a compra e venda mercantil ou a prestação de serviços. Essa causa da duplicata é mencionada no próprio título. Por conta dessa característica, alguns autores afirmam que se trata de um título impróprio. Obs: o contrário dos títulos causais são os “não causais” ou “abstratos”, como o caso da nota promissória.
b) Ordem de pagamento.
c) Título de modelo vinculado (título formal): os padrões de emissão da duplicata são fixados pelo Conselho Monetário Nacional. A duplicata somente produz efeitos cambiais se observado o padrão exigido para a constituição do título.

Emissão da duplicata
O vendedor ou prestador dos serviços emite a fatura discriminando as mercadorias vendidas ou os serviços prestados. Com base nessa fatura, esse vendedor ou prestador poderá emitir a duplicata.
Toda duplicata sempre terá origem em uma fatura.
Uma duplicata só pode corresponder a uma única fatura (art. 2º, § 2º, da Lei nº 5.474/68).

Remessa da duplicata para aceite
Aceite é o ato por meio do qual o sacado se obriga a pagar o crédito constante do título na data do vencimento.
Assim, emitida a duplicata, nos 30 dias seguintes, o sacador (quem emitiu o título) deve remeter o título ao sacado (comprador ou tomador dos serviços) para que ele assine a duplicata no campo próprio para o aceite, restituindo-a ao sacador no prazo de 10 dias.

O aceite na duplicata é obrigatório
Na duplicata, o título documenta uma obrigação surgida a partir de um contrato de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços.
Desse modo, se o vendedor/prestador do serviço, que no caso foi o sacador, cumpriu as suas obrigações contratuais, não há motivo para o devedor recusar o aceite.
Em virtude dessa circunstância, a doutrina afirma que o aceite na duplicata é, em regra, obrigatório, somente podendo ser recusado nas hipóteses previstas nos arts. 8º e 21 da Lei nº 5.474/68.

Recusa do aceite
Como vimos, o aceite é, em regra, obrigatório.
As hipóteses previstas na lei em que o aceite pode ser recusado estão relacionadas com situações em que o sacador (vendedor ou prestador dos serviços) não cumpriu corretamente suas obrigações contratuais ou em que há divergência entre aquilo que foi combinado no contrato e o que consta da duplicata. Vejamos:

Recusa do aceite na duplicata mercantil:
Art. 8º O comprador só poderá deixar de aceitar a duplicata por motivo de:
I - avaria ou não recebimento das mercadorias, quando não expedidas ou não entregues por sua conta e risco;
II - vícios, defeitos e diferenças na qualidade ou na quantidade das mercadorias, devidamente comprovados;
III - divergência nos prazos ou nos preços ajustados.

Recusa do aceite na duplicata de serviços:
Art. 21. O sacado poderá deixar de aceitar a duplicata de prestação de serviços por motivo de:
I - não correspondência com os serviços efetivamente contratados;
II - vícios ou defeitos na qualidade dos serviços prestados, devidamente comprovados;
III - divergência nos prazos ou nos preços ajustados.

Tipos de aceite
a) aceite ordinário: ocorre quando o sacado (comprador ou tomador dos serviços), não encontra nenhum problema em aceitar e, por isso, assina em um campo próprio localizado na frente (anverso) do título, devolvendo-o em seguida.

b) aceite presumido: ocorre quando o sacado resolve não assinar ou não devolver a duplicata assinada, no entanto, ao receber as mercadorias compradas ele assinou o comprovante de recebimento, sem fazer qualquer ressalva quanto aos bens adquiridos. Ora, se ele recebeu normalmente as mercadorias é porque se presume que o vendedor cumpriu sua obrigação contratual. Logo, esse comprador deveria ter feito o aceite da duplicata. Nesses casos, o sacador deverá fazer o protesto do sacado por falta de aceite ou por falta de pagamento.
Diante disso, é admitido como aceite presumido da duplicata:
O comprovante de entrega das mercadorias assinado pelo sacado acompanhado do instrumento do protesto do título por falta de aceite ou falta de pagamento.

c) aceite por comunicação: ocorre quando o sacado retém o título e expressa o aceite em carta ou comunicado. Essa comunicação, mesmo escrita fora do título, produz os mesmos efeitos do aceite.

Protesto
Protesto de títulos é o ato público, formal e solene, realizado pelo tabelião de protesto, com a finalidade de provar:
i) a inadimplência do devedor
ii) o descumprimento de obrigação constante de título de crédito; ou
iii) qualquer outro ato importante relacionado com o título (ex: falta de aceite).

No caso da duplicata, para que serve o protesto?
O protesto poderá servir para provar três situações distintas:
i) a falta de pagamento;
ii) a falta de aceite da duplicata;
iii) a falta de devolução da duplicata;

Protesto por indicações
O procedimento para que haja o protesto de um título de crédito é, resumidamente, o seguinte:
1) O credor leva o título até o tabelionato de protesto e faz a apresentação, pedindo que haja o protesto, e informando os dados e endereço do devedor;
2) O tabelião de protesto examina os caracteres formais do título;
3) Se o título não apresentar vícios formais, o tabelião realiza a intimação do suposto devedor no endereço apresentado pelo credor;
4) A intimação é realizada para que o apontado devedor, no prazo de 3 dias, pague ou providencie a sustação do protesto antes de ele ser lavrado.
5) Se o devedor ficar inerte ou tentar e não conseguir sustar o protesto, será lavrado e registrado o protesto.

O procedimento do protesto da duplicata é exatamente este acima explicado, havendo, no entanto, uma diferença: o chamado protesto por indicações.

Como vimos acima, na etapa 1, para que haja o protesto, é necessário que o credor leve o título original. Assim, em regra, para o protesto de títulos de crédito, exige-se a apresentação do original em razão do princípio da cartularidade.

Ocorre que, como já vimos também, existe a possibilidade de o sacado (comprador ou tomador dos serviços) receber a duplicata para fazer o aceite e acabar não devolvendo o título para o sacador. Desse modo, além de não apor o aceite, o devedor não devolve o título. Nesse caso, se fosse exigida a apresentação do título, o protesto seria impossível, já que o título ficou em poder do devedor.

Logo, se o sacado não devolveu a duplicata, o sacador (vendedor ou prestador dos serviços) poderá fazer o protesto da duplicata por indicações (dando apenas as informações do título), ou seja, sem apresentar a duplicata no Tabelionato de Protesto.

Se a duplicata foi remetida para aceite e não foi devolvida pelo sacado, poderá haver protesto mediante simples indicações dos dados do título, ou seja, são fornecidas ao Tabelionato de Protesto as informações do título retiradas do Livro de emissão de duplicatas, livro que é obrigatório para os empresários que emitem duplicata.

Essas indicações da duplicata poderão ser encaminhadas, inclusive, por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, sendo de inteira responsabilidade do apresentante os dados fornecidos, ficando a cargo dos Tabelionatos a mera instrumentalização das mesmas (art. 8º, parágrafo único, da Lei n.° 9.492/97).

O protesto por indicações somente pode ser feito no caso de falta de devolução ou também nas hipóteses de falta de aceite ou de falta de pagamento?
1ª corrente: o protesto por indicações somente pode ser feito no caso de falta de devolução. Posição tradicional defendida por Wille Duarte Costa.
2ª corrente: o protesto por indicações pode ser feito em qualquer hipótese. É defendida pela doutrina mais moderna, como Fábio Ulhoa Coelho e Marlon Tomazette.


DUPLICATA VIRTUAL
Espécies de duplicata
Conforme explica Marcelo Augusto de Barros, na prática, existem hoje em dia, três espécies de duplicatas:
1) as assinadas em papel. São as tradicionais, porém atualmente em desuso;
2) as assinadas por certificado digital, conforme autoriza a MP 2.200-2/2001. Chamadas no mercado de securitização de recebíveis de “duplicata digital”;
3) as que sequer são emitidas formalmente, correspondentes às informações presentes nos boletos bancários. Ficaram conhecidas pela denominação “duplicata virtual” a partir do julgamento do EREsp 1024691 pelo STJ em 2012.

Lei nº 13.775/2018
A Lei nº 13.775/2018 “dispõe sobre a emissão de duplicata sob a forma escritural”.
“Duplicata sob a forma escritural” nada mais é do que aquilo que a doutrina e a jurisprudência chamaram de “duplicata virtual” (o terceiro grupo acima exposto). Outro sinônimo para o instituto é “duplicata eletrônica”.
Assim, o objetivo da Lei nº 13.775/2018 foi o de regulamentar a prática da duplicata virtual, utilizando, contudo, uma nomenclatura mais técnica, qual seja, “duplicata sob a forma escritural”.

Como funciona uma “duplicata virtual” (duplicata sob a forma escritural)
1) O contrato de compra e venda ou de prestação de serviços é celebrado.
2) Em vez de emitir uma fatura e uma duplicata em papel, o vendedor ou fornecedor dos serviços transmite em meio magnético (pela internet) a uma instituição financeira os dados referentes a esse negócio jurídico (partes, relação das mercadorias vendidas, preço etc.).
3) A instituição financeira, também pela internet, encaminha ao comprador ou tomador de serviços um boleto bancário para que o devedor pague a obrigação originada no contrato. Ressalte-se que esse boleto bancário não é o título de crédito. O título é a duplicata que, no entanto, não existe fisicamente. Esse boleto apenas contém as características da duplicata virtual.
4) Se chegar o dia do vencimento e não for pago o valor, o credor ou o banco (encarregado da cobrança) encaminharão as indicações do negócio jurídico ao Tabelionato, também em meio magnético, e o Tabelionato faz o protesto do título por indicações.
5) Após ser feito o protesto, se o devedor continuar inadimplente, o credor ou o banco ajuizarão uma execução contra ele, sendo que o título executivo extrajudicial será: o boleto de cobrança bancária + o instrumento de protesto por indicação + o comprovante de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços.

Previsão legal
A Lei de Duplicatas (Lei nº 5.474/68) não previu as chamadas duplicatas virtuais, até mesmo porque naquela época os sistemas informatizados ainda não estavam tão desenvolvidos.
A Min. Nancy Andrighi afirmava, contudo, mesmo antes da Lei nº 13.775/2018, que as duplicatas virtuais tinham previsão legal no art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 9.492/97 e no art. 889, § 3º do CC-2002.
Agora, a Lei nº 13.775/2018 disciplinou a duplicata sob forma escritural (duplicata virtual).

Antes da Lei nº 13.775/2018, a duplicata virtual já era considerada válida?
SIM. Em 2012, o STJ pacificou o entendimento que é válida a duplicata virtual. Confira a ementa:
(...) 2. Embora a norma do art. 13, § 1º, da Lei 5.474/68 permita o protesto por indicação nas hipóteses em que houver a retenção da duplicata enviada para aceite, o alcance desse dispositivo deve ser ampliado para harmonizar-se também com o instituto da duplicata virtual, conforme previsão constante dos arts. 8º e 22 da Lei 9.492/97.
3. A indicação a protesto das duplicatas mercantis por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados encontra amparo no artigo 8º, parágrafo único, da Lei 9.492/97. O art. 22 do mesmo Diploma Legal, a seu turno, dispensa a transcrição literal do título quando o Tabelião de Protesto mantém em arquivo gravação eletrônica da imagem, cópia reprográfica ou micrográfica do título ou documento da dívida.
4. Quanto à possibilidade de protesto por indicação da duplicata virtual, deve-se considerar que o que o art. 13, § 1º, da Lei 5.474/68 admite, essencialmente, é o protesto da duplicata com dispensa de sua apresentação física, mediante simples indicação de seus elementos ao cartório de protesto. Daí, é possível chegar-se à conclusão de que é admissível não somente o protesto por indicação na hipótese de retenção do título pelo devedor, quando encaminhado para aceite, como expressamente previsto no referido artigo, mas também na de duplicata virtual amparada em documento suficiente.
5. Reforça o entendimento acima a norma do § 2º do art. 15 da Lei 5.474/68, que cuida de executividade da duplicata não aceita e não devolvida pelo devedor, isto é, ausente o documento físico, autorizando sua cobrança judicial pelo processo executivo quando esta haja sido protestada mediante indicação do credor, esteja acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e recebimento da mercadoria e o sacado não tenha recusado o aceite pelos motivos constantes dos arts. 7º e 8º da Lei.
(...)
7. O protesto de duplicata virtual por indicação apoiada em apresentação do boleto, das notas fiscais referentes às mercadorias comercializadas e dos comprovantes de entrega e recebimento das mercadorias devidamente assinados não descuida das garantias devidas ao sacado e ao sacador.
8. Embargos de divergência conhecidos e desprovidos.
STJ. 2ª Seção. EREsp 1024691/PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 22/08/2012.

Assim, segundo decidiu o STJ, as duplicatas virtuais emitidas e recebidas por meio magnético ou de gravação eletrônica podem ser protestadas por mera indicação, de modo que a exibição do título não é imprescindível para o ajuizamento da execução, conforme previsto no art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 9.492/97.
Os boletos de cobrança bancária vinculados ao título virtual, devidamente acompanhados dos instrumentos de protesto por indicação e dos comprovantes de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços, suprem a ausência física do título cambiário eletrônico e constituem, em princípio, títulos executivos extrajudiciais.


REGULAMENTAÇÃO DA LEI 13.775/2018
Como vimos acima, a jurisprudência do STJ já admitia a duplicata sob a forma escritural (chamada de “duplicata virtual” ou “eletrônica”).
No entanto, como ainda havia resistência por parte de alguns doutrinadores e Tribunais, fez bem o legislador ao disciplinar o tema, fixando a possibilidade expressa dessa prática.
Vejamos agora um resumo dos principais pontos tratados pela Lei nº 13.775/2018:

Duplicata sob a forma escritural
Conforme já mencionado, a Lei nº 13.775/2018 opta por não utilizar o nome “duplicata virtual”, falando, portanto, em duplicata sob a forma escritural.
Assim, a Lei nº 13.775/2018 dispõe sobre a emissão de duplicata sob a forma escritural.

Autorização expressa para duplicata sob a forma escritural
A Lei inicia enunciando, em seu art. 2º, que:
A duplicata (Lei nº 5.474/68) pode ser emitida sob a forma escritural, para circulação como efeito comercial, devendo observar as regras da Lei nº 13.775/2018.
Assim, não há mais dúvidas de que a “duplicata virtual” é admitida pelo Direito brasileiro.

Entidades que irão exercer a atividade de escrituração
A Lei prevê que a atividade de escrituração de duplicatas escriturais será feita por entidades que irão se especializar nisso. No entanto, tais entidades somente poderão prestar esse serviço após serem autorizadas “por órgão ou entidade da administração federal direta ou indireta a exercer a atividade de escrituração de duplicatas” (art. 3º, § 1º).
Essas entidades, muito provavelmente, serão instituições financeiras.
A Lei não diz qual será esse órgão ou entidade da administração federal, no entanto, muito provavelmente, será o Banco Central ou o Conselho Monetário Nacional.
Tais entidades deverão manter um sistema eletrônico de escrituração onde serão feitos os lançamentos das emissões de duplicata sob a forma escritural.

Emissão
Como dito acima, a emissão de duplicata sob a forma escritural deve ser feita mediante lançamento em sistema eletrônico de escrituração gerido por uma das entidades que exerçam a atividade de escrituração de duplicatas escriturais.

Apresentação
A apresentação da duplicata escritural será efetuada por meio eletrônico, observados os prazos determinados pelo órgão ou entidade da administração federal que regulamentar a Lei nº 13.775/2018 (provavelmente o BACEN ou o CMN).
Enquanto não houver prazo fixado na regulamentação, este será de 2 dias úteis contados de sua emissão.

Recusa
O devedor poderá, por meio eletrônico, recusar, no prazo, nas condições e pelos motivos previstos nos arts. 7º e 8º da Lei nº 5.474/68 (Lei das Duplicatas), a duplicata escritural apresentada ou, no mesmo prazo acrescido de sua metade, aceitá-la.

Veja o que dizem os arts. 7º e 8º da Lei das Duplicatas:
Art. 7º A duplicata, quando não for à vista, deverá ser devolvida pelo comprador ao apresentante dentro do prazo de 10 (dez) dias, contado da data de sua apresentação, devidamente assinada ou acompanhada de declaração, por escrito, contendo as razões da falta do aceite.
§ 1º Havendo expressa concordância da instituição financeira cobradora, o sacado poderá reter a duplicata em seu poder até a data do vencimento, desde que comunique, por escrito, à apresentante o aceite e a retenção.
§ 2º - A comunicação de que trata o parágrafo anterior substituirá, quando necessário, no ato do protesto ou na execução judicial, a duplicata a que se refere.
Art. 8º O comprador só poderá deixar de aceitar a duplicata por motivo de:
I - avaria ou não recebimento das mercadorias, quando não expedidas ou não entregues por sua conta e risco;
II - vícios, defeitos e diferenças na qualidade ou na quantidade das mercadorias, devidamente comprovados;
III - divergência nos prazos ou nos preços ajustados.

Protesto
Um dos requisitos da duplicata tradicional (chamada de “cartular” ou “não escritural”) é que ela deverá conter “a praça de pagamento” (art. 2º, § 1º, VI, da Lei nº 5.474/68).
Essa informação é importante porque o protesto da duplicata deverá ser tirado na praça de pagamento constante do título (art. 13, § 3º da Lei nº 5.474/68).

E no caso das duplicatas virtuais?
A Lei nº 13.775/2018 diz que:
Para fins de protesto, a praça de pagamento das duplicatas escriturais deverá coincidir com o domicílio do devedor, ou seja, a praça de pagamento é o domicílio do devedor.

O que é o domicílio do devedor?
O domicílio das demais pessoas jurídicas é o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos (art. 75, caput, do Código Civil).
Se a pessoa jurídica tiver diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados (art. 75, § 1º, do CC).

Exceção:
As partes podem combinar, de forma expressa, que o protesto será tirado em outro local que não é o domicílio do devedor segundo as regras fixadas no art. 75 do Código Civil. Para isso, no entanto, é necessário que fique demonstrada a concordância inequívoca do devedor.
Essa exceção é prevista no art. 12, § 3º da Lei nº 13.775/2018 e no art. 327 do Código Civil:
Art. 327. Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias.

Resumindo:
• protesto da duplicata escritural deve ser tirado na praça de pagamento.
• em regra, a praça de pagamento das duplicatas escriturais é o domicílio do devedor.
• assim, em regra, o protesto da duplicata escritural deve ser realizado no domicílio do devedor.
• as partes poderão convencionar (combinar) de modo diverso. No entanto, isso deve ser feito de forma expressa e desde que se demonstre a concordância inequívoca do devedor.

Central Nacional de RTD
A Lei nº 13.775/2018 prevê que deverá ser criada uma “Central Nacional de Registro de Títulos e Documentos”.
Esta Central será, então, autorizada a fazer a escrituração de duplicadas.
No caso de escrituração de duplicata feita pela Central Nacional de Registro de Títulos e Documentos, a referida escrituração será de responsabilidade do oficial de registro do domicílio do emissor da duplicata.
Se o oficial de registro ainda não estiver integrado ao sistema central (ex: algum Município do interior), a competência para a escrituração será transferida para o oficial de registro da Capital do Estado.
O valor total dos emolumentos cobrados pela Central Nacional de Registro de Títulos e Documentos para a prática de escrituração de duplicatas será fixado pelos Estados e pelo Distrito Federal, observado o valor máximo de R$ 1,00 (um real) por duplicata.

Aspectos do título que deverão ser, obrigatoriamente, escriturados
Como vimos acima, a emissão de duplicata sob a forma escritural será feita mediante lançamento em sistema eletrônico de escrituração gerido por entidade autorizada.
O art. 4º da Lei nº 13.775/2018 diz então que, neste sistema eletrônico, deverá haver a escrituração, no mínimo, dos seguintes aspectos:
I - apresentação, aceite, devolução e formalização da prova do pagamento;
II - controle e transferência da titularidade;
III - prática de atos cambiais sob a forma escritural, tais como endosso e aval;
IV - inclusão de indicações, informações ou de declarações referentes à operação com base na qual a duplicata foi emitida ou ao próprio título; e
V - inclusão de informações a respeito de ônus e gravames constituídos sobre as duplicatas.

Responsabilidade pelas comunicações dos atos
As comunicações dos atos da duplicata ao devedor e aos demais interessados deverão ser realizadas pelo gestor do sistema eletrônico de escrituração.
A forma e os procedimentos que deverão ser observados para a realização dessas comunicações serão definidos em regulamento a ser editado pelo Poder Público.

A comprovação da entrega e do recebimento das mercadorias ou a comprovação da prestação dos serviços deverão ser feitas também em meio eletrônico
O sistema eletrônico de escrituração deverá ter e mecanismos que permitam ao sacador e ao sacado comprovarem, por quaisquer meios de prova admitidos em direito, a entrega e o recebimento das mercadorias ou a prestação do serviço, devendo a apresentação das provas ser efetuada em meio eletrônico.

Endossantes e avalistas
Os endossantes e avalistas indicados pelo apresentante ou credor como garantidores do cumprimento da obrigação constarão como tal dos extratos.

Liquidação do pagamento é prova de pagamento
Constituirá prova de pagamento, total ou parcial, da duplicata emitida sob a forma escritural a liquidação do pagamento em favor do legítimo credor, utilizando-se qualquer meio de pagamento existente no âmbito do Sistema de Pagamentos Brasileiro.
A prova de pagamento deverá ser informada no sistema eletrônico de escrituração com referência expressa à duplicata amortizada ou liquidada.

Extrato do registro eletrônico da duplicata
Os gestores dos sistemas eletrônicos de escrituração ou os depositários centrais, na hipótese de a duplicata emitida sob a forma escritural ter sido depositada, expedirão, a pedido de qualquer solicitante, extrato do registro eletrônico da duplicata.
O extrato de que trata o caput deste artigo pode ser emitido em forma eletrônica, observados requisitos de segurança que garantam a autenticidade do documento.

Conteúdo do extrato
Deverão constar do extrato expedido, no mínimo:
I - a data da emissão e as informações referentes ao sistema eletrônico de escrituração no âmbito do qual a duplicata foi emitida;
II - os elementos necessários à identificação da duplicata (art. 2º da Lei nº 5.474/68);
III - a cláusula de inegociabilidade; e
IV - as informações acerca dos ônus e gravames.

Cópia dos extratos
O sistema eletrônico de escrituração deverá manter em seus arquivos cópia eletrônica dos extratos emitidos.

Informação sobre inadimplementos
Será gratuita a qualquer solicitante a informação, prestada por meio da rede mundial de computadores, de inadimplementos registrados em relação a determinado devedor.

Título executivo
A duplicata emitida sob a forma escritural e o extrato são títulos executivos extrajudiciais, devendo-se observar, para sua cobrança judicial, o disposto no art. 15 da Lei nº 5.474/68.
Esse art. 15 traz as regras para o processo de cobrança da duplicata.
Vale ressaltar, mais uma vez, que, neste ponto, a lei positiva aquilo que já era admitido pela jurisprudência do STJ:
(...) 1. A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de ser possível o ajuizamento de execução de duplicata virtual, desde que devidamente acompanhada dos instrumentos de protesto por indicação e dos comprovantes de entrega da mercadoria e da prestação do serviço. (...)
STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 1559824/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 03/12/2015.

Lançamentos no sistema eletrônico equivalem ao livro de duplicatas
Os lançamentos no sistema eletrônico de escrituração substituem o Livro de Registro de Duplicatas, previsto no art. 19 da Lei nº 5.474/68.

Nulas cláusulas que proíbam as duplicatas sob a forma cartular ou escritural
São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que vedam, limitam ou oneram, de forma direta ou indireta, a emissão ou a circulação de duplicatas emitidas sob a forma cartular ou escritural (art. 10 da Lei nº 13.775/2018).

Regulamentação
O Governo Federal irá definir um o órgão ou entidade da administração pública federal para autorizar o funcionamento das entidades responsáveis pela escrituração de duplicatas escriturais.
Este órgão ou entidade irá também regulamentar a Lei nº 13.775/2018.

Sanções para o descumprimento
Em caso de descumprimento da Lei nº 13.775/2018 ou de sua regulamentação, serão aplicáveis as disposições da Lei nº 13.506/2017 (Lei que trata sobre o processo administrativo sancionador nas esferas de atuação do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários).
O responsável pelas sanções será o órgão ou entidade da administração federal que ficar responsável pela regulamentação das escriturações.

Aplicação subsidiária da Lei nº 5.474/68
As duplicatas escriturais são regidas pela Lei nº 13.775/2018, mas devem ser aplicadas, de forma subsidiária, as disposições da Lei nº 5.474/68.


ALTERAÇÕES NA LEI DO PROTESTO
A Lei nº 9.492/97 regulamenta o protesto de títulos.
A Lei nº 13.775/2018 promoveu duas alterações nesta Lei.
A primeira delas foi a inserção do § 2º ao art. 8º da Lei:
Art. 8º Os títulos e documentos de dívida serão recepcionados, distribuídos e entregues na mesma data aos Tabelionatos de Protesto, obedecidos os critérios de quantidade e qualidade.
(...)
§ 2º  Os títulos e documentos de dívida mantidos sob a forma escritural nos sistemas eletrônicos de escrituração ou nos depósitos centralizados de que trata a Lei nº 12.810, de 15 de maio de 2013, poderão ser recepcionados para protesto por extrato, desde que atestado por seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que consta na origem.

A segunda foi o acréscimo do art. 41-A com a seguinte redação:
Art. 41-A. Os tabeliães de protesto manterão, em âmbito nacional, uma central nacional de serviços eletrônicos compartilhados que prestará, ao menos, os seguintes serviços:
I - escrituração e emissão de duplicata sob a forma escritural, observado o disposto na legislação específica, inclusive quanto ao requisito de autorização prévia para o exercício da atividade de escrituração pelo órgão supervisor e aos demais requisitos previstos na regulamentação por ele editada;
II - recepção e distribuição de títulos e documentos de dívida para protesto, desde que escriturais;
III - consulta gratuita quanto a devedores inadimplentes e aos protestos realizados, aos dados desses protestos e dos tabelionatos aos quais foram distribuídos, ainda que os respectivos títulos e documentos de dívida não sejam escriturais;
IV - confirmação da autenticidade dos instrumentos de protesto em meio eletrônico; e
V - anuência eletrônica para o cancelamento de protestos.

§ 1º A partir da implementação da central de que trata o caput deste artigo, os tabelionatos de protesto disponibilizarão ao poder público, por meio eletrônico e sem ônus, o acesso às informações constantes dos seus bancos de dados.

§ 2º É obrigatória a adesão imediata de todos os tabeliães de protesto do País ou responsáveis pelo expediente à central nacional de serviços eletrônicos compartilhados de que trata o caput deste artigo, sob pena de responsabilização disciplinar nos termos do inciso I do caput do art. 31 da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994.

Vigência
A Lei nº 132.775/2018 foi publicada em 21/12/2018 e entra em vigor no dia 20/04/2019 (120 dias depois de sua publicação oficial).

Sobre o autor
Márcio André Lopes Cavalcante
Professor. Juiz Federal.




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