Dizer o Direito

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Comentários à Lei 13.771/2018: altera as majorantes do feminicídio



Olá amigos do Dizer o Direito,

Outra importante novidade legislativa deste fim de ano foi a Lei nº 13.771/2018, que alterou três causas de aumento de pena do feminicídio (art. 121, § 7º do Código Penal).

Vejamos o que mudou.

O que é feminicídio?
Feminicídio é o homicídio doloso praticado contra a mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, desprezando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima enquanto mulher, como se as pessoas do sexo feminino tivessem menos direitos do que as do sexo masculino.
O Código Penal prevê o feminicídio como uma qualificadora do crime de homicídio. Confira:
Homicídio simples
Art. 121. Matar alguem:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
(...)
§ 2º Se o homicídio é cometido:
Feminicídio
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.
(...)
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

O feminicídio foi incluído no Código Penal pela Lei nº 13.104/2015.

Feminicídio X femicídio
Existe diferença entre feminicídio e femicídio?
• Femicídio significa praticar homicídio contra mulher (matar mulher);
• Feminicídio significa praticar homicídio contra mulher por “razões da condição de sexo feminino” (por razões de gênero).
O art. 121, § 2º, VI, do CP, trata sobre FEMINICÍDIO, ou seja, pune mais gravemente aquele que mata mulher por “razões da condição de sexo feminino” (por razões de gênero). Não basta a vítima ser mulher.

Como era a punição do feminicídio antes da Lei nº 13.104/2015?
Antes da Lei nº 13.104/2015, não havia nenhuma punição especial pelo fato de o homicídio ser praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Em outras palavras, o feminicídio era punido, de forma genérica, como sendo homicídio (art. 121 do CP).
A depender do caso concreto, o feminicídio (mesmo sem ter ainda este nome) poderia ser enquadrado como sendo homicídio qualificado por motivo torpe (inciso I do § 2º do art. 121) ou fútil (inciso II) ou, ainda, em virtude de dificuldade da vítima de se defender (inciso IV). No entanto, o certo é que não existia a previsão de uma pena maior para o fato de o crime ser cometido contra a mulher por razões de gênero.
A Lei nº 13.104/2015 veio alterar esse panorama e previu, expressamente, que o feminicídio, deve agora ser punido como homicídio qualificado.

Sujeito ativo
O feminicídio pode ser praticado por qualquer pessoa (trata-se de crime comum).
O sujeito ativo do feminicídio normalmente é um homem, mas também pode ser mulher.

Sujeito passivo
Obrigatoriamente deve ser uma pessoa do sexo feminino (criança, adulta, idosa, desde que do sexo feminino).
• Mulher que mata sua companheira homoafetiva: pode haver feminicídio se o crime foi por razões da condição de sexo feminino.
• Homem que mata seu companheiro homoafetivo: não haverá feminicídio porque a vítima deve ser do sexo feminino. Esse fato continua sendo, obviamente, homicídio.

Razões de condição de sexo feminino
O que são “razões de condição de sexo feminino”?
O legislador previu, no § 2º-A do art. 121, uma norma penal interpretativa, ou seja, um dispositivo para esclarecer o significado dessa expressão.
§ 2º-A Considera-se que há “razões de condição de sexo feminino” quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Causas de aumento de pena
O § 7º do art. 121 do CP prevê causas de aumento de pena exclusivas para o feminicídio.
A Lei nº 13.771/2018 altera essas causas de aumento de pena.
Vamos comparar:
Antes da Lei 13.771/2018
ATUALMENTE
Art. 121 (...)
§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
Art. 121 (...)
§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
Não foi alterado. Continua a mesma redação.
II – contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental;
III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.
III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;
Não havia inciso IV.
IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

Mudança no inciso II:
Foi acrescentada a seguinte hipótese:
A pena imposta ao feminicídio será aumentada de 1/3 a 1/2 se, no momento do crime, a mulher (vítima) era portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental. Como exemplo, podemos citar a esclerose lateral amiotrófica.
A vítima, nesse caso, apresenta uma fragilidade (debilidade) maior, de forma que a conduta do agente se revela com alto grau de covardia.

Mudança no inciso III:
A pena imposta ao feminicídio será aumentada se o delito foi praticado na presença (física ou virtual) de descendente ou de ascendente da vítima.
Aqui a razão do aumento está no intenso sofrimento que o autor provocou aos descendentes ou ascendentes da vítima que presenciaram o crime, fato que irá gerar graves transtornos psicológicos.
Semanticamente, quando se fala que foi praticado “na presença de alguém”, isso não significa, necessariamente, que a pessoa que presenciou estava fisicamente no local.
Assim, particularmente, entendo que, mesmo antes da alteração, já poderia ser aplicada a causa de aumento mesmo que não houvesse presença física do ascendente ou descendente, ou seja, essa presença poderia ser “virtual”.
A fim de evitar polêmicas, o legislador resolveu deixar isso expresso.
Desse modo, poderá haver a causa de aumento de pena do inciso III do § 7º do art. 121 do CP mesmo que o ascendente ou descendente não esteja fisicamente no mesmo ambiente onde ocorre o homicídio. É o caso, por exemplo, em que o filho da vítima presencia, por meio de webcam, o agente matar sua mãe; ele terá presenciado o crime, mesmo sem estar fisicamente no local do homicídio.

Apenas para relembrar:
• Ascendente: é o pai, mãe, avô, avó, bisavô, bisavó e assim por diante.
• Descendente: é o filho(a), neto(a), bisneto(a) etc.

Atenção: não haverá a causa de aumento se o crime é praticado na presença de colateral (ex: irmão, tio) ou na presença do cônjuge da vítima.

Inserção do inciso IV:
Vamos entender melhor esse inciso com um exemplo:
Carla decidiu se separar de Pedro. Este, contudo, continuou a procurá-la insistentemente e a fazer ameaças caso ela não reatasse o relacionamento.
Diante disso, Carla procurou a Delegacia pedindo que fossem tomadas providências.
A autoridade policial lavrou o boletim de ocorrência e enviou um expediente ao juiz com o pedido de Carla para que Pedro não se aproximasse mais dela (art. 12, III, da Lei nº 11.340/2006).
O juiz deferiu o pedido da ofendida e determinou, como medidas protetivas de urgência, que Pedro mantivesse distância mínima de 500 metros de Maria e não tentasse nenhum contato com ela por qualquer meio de comunicação, conforme autoriza o art. 22, III, “a” e “b”, da Lei nº 11.340/2006:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
(...)
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
(...)

Na decisão, o magistrado consignou ainda que, em caso de descumprimento de quaisquer das medidas impostas, seria aplicada ao requerido multa diária de R$ 100, conforme previsto no § 4º, do art. 22 da Lei nº 11.340/2006.
Quais as consequências caso o indivíduo descumpra as medidas protetivas de urgência?
• é possível a execução da multa imposta;
• é possível a decretação de sua prisão preventiva (art. 313, III, do CPP);
• o agente responderá pelo crime do art. 24-A da Lei Maria da Penha:
Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.

Continuando em nosso exemplo:
Pedro foi regularmente intimado. Apesar disso, uma semana depois procurou Carla em sua casa pedindo para que ela retomasse o relacionamento. Como ela não aceitou, Pedro a matou com uma faca.
Neste caso, Pedro responderá por feminicídio e incidirá a causa de aumento de pena prevista no art. 121, § 7º, IV, do CP.

Pergunta: responderá também pelo art. 24-A do CP?
NÃO. Isso porque o delito do art. 24-A do CP é absorvido pela conduta mais grave, qual seja, a prática do art. 121, § 7º, IV, do CP.
Fazer incidir o art. 24-A da Lei nº 11.340/2006 e também pelo inciso IV do § 7º do art. 121 do CP representaria punir duas vezes o agente pelo mesmo fato (bis in idem), o que é vedado.

Vigência
A Lei nº 13.771/2018 entrou em vigor na data de sua publicação (20/12/2018).
Por ser uma lei mais gravosa, ela não se aplica para fatos ocorridos antes de sua vigência.



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