sexta-feira, 31 de março de 2023

O vazamento de dados pessoais não gera dano moral presumido

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina construiu uma casa em um terreno e, após o imóvel ficar pronto, foi até a concessionária solicitar a ligação da energia elétrica para a sua residência.

Regina assinou um contrato com a concessionária, tendo fornecido diversos dados pessoais, tais como: nome completo, endereço, número do RG, data de nascimento, número de telefone etc.

Cerca de um ano depois, Regina descobriu que hackers invadiram o sistema da concessionária e de lá copiaram os dados pessoais de milhares de usuários dos serviços de energia elétrica a fim de comercializá-los com empresas de vendas e de marketing.

Os dados de Regina também foram copiados e vendidos, ou seja, essas informações acima mencionadas foram indevidamente vazadas e compartilhadas.

Diante disso, Regina ajuizou ação de indenização contra a concessionária de energia elétrica.

O juiz julgou o pedido improcedente. Segundo argumentou o magistrado:

- é fato incontroverso que houve o vazamento de dados, decorrente da ação de criminosos;

- no  entanto,  a  autora  não  trouxe  prova  da  utilização  indevida  de seus  dados por terceiros;

- para se caracterizar dano moral, a ensejar reparação, o fato deve gerar grave ofensa à honra, à dignidade ou a atributo da personalidade da pessoa;

- o simples fato de ter ocorrido o vazamento de dados pessoais não enseja o pagamento de indenização considerando que não houve prova do dano moral sofrido.

 

Inconformada, a autora recorreu alegando que o vazamento de dados pessoais gera dano moral presumido (in re ipsa), não sendo necessária comprovação do dano para que haja a indenização. Além disso, argumentou que se trata de pessoa idosa que ficou muito abalada com o vazamento.

 

O STJ acolheu os argumentos da autora? O vazamento de dados pessoais gera dano moral presumido?

NÃO.

O art. 5º, II, da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei nº 13.709/2018, prevê que determinados dados pessoais devem ser qualificados como “sensíveis”, exigindo exigir um tratamento diferenciado por parte de quem armazena essas informações:

Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:

I - dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável;

II - dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;

(...)

 

Os dados de natureza comum são pessoais, mas não são íntimos. Esses dados pessoais servem apenas para identificação da pessoa natural e não podem ser classificados como sensíveis.

Os dados que a concessionária armazenava eram aqueles que se fornece em qualquer cadastro, inclusive nos sites consultados no dia a dia, não sendo, portanto, acobertados por sigilo. O conhecimento desses dados por terceiro em nada violaria o direito de personalidade da autora.

O vazamento de dados pessoais, a despeito de se tratar de falha indesejável no tratamento de dados de pessoa natural por pessoa jurídica, não tem o condão, por si só, de gerar dano moral indenizável. Desse modo, não se trata de dano moral presumido, sendo necessário, para que haja indenização, que o titular dos dados comprove qual foi o dano decorrente da exposição dessas informações.

 

Em suma:

O vazamento de dados pessoais não gera dano moral presumido. 

STJ. 2ª Turma. AREsp 2.130.619-SP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 7/3/2023 (Info 766).

 

Importante. A conclusão seria diferente se estivéssemos diante de vazamento de dados sensíveis, que dizem respeito à intimidade da pessoa natural. Neste caso, poderíamos falar em dano moral presumido.

Portanto, não confunda:

• o vazamento de dados pessoais não gera dano moral presumido;

• o vazamento de dados pessoais sensíveis gera dano moral presumido.

 

DOD Dicas

Os dados pessoais sensíveis consistem em um dos assuntos mais cobrados envolvendo a Lei Geral de Proteção de Dados. Por isso, é importante você ler os arts. 11 a 13:

Art. 11. O tratamento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas seguintes hipóteses:

I - quando o titular ou seu responsável legal consentir, de forma específica e destacada, para finalidades específicas;

II - sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipóteses em que for indispensável para:

a) cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador;

b) tratamento compartilhado de dados necessários à execução, pela administração pública, de políticas públicas previstas em leis ou regulamentos;

c) realização de estudos por órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais sensíveis;

d) exercício regular de direitos, inclusive em contrato e em processo judicial, administrativo e arbitral, este último nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem) ;

e) proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro;

f) tutela da saúde, exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária; ou

g) garantia da prevenção à fraude e à segurança do titular, nos processos de identificação e autenticação de cadastro em sistemas eletrônicos, resguardados os direitos mencionados no art. 9º desta Lei e exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais.

§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo a qualquer tratamento de dados pessoais que revele dados pessoais sensíveis e que possa causar dano ao titular, ressalvado o disposto em legislação específica.

§ 2º Nos casos de aplicação do disposto nas alíneas “a” e “b” do inciso II do caput deste artigo pelos órgãos e pelas entidades públicas, será dada publicidade à referida dispensa de consentimento, nos termos do inciso I do caput do art. 23 desta Lei.

§ 3º A comunicação ou o uso compartilhado de dados pessoais sensíveis entre controladores com objetivo de obter vantagem econômica poderá ser objeto de vedação ou de regulamentação por parte da autoridade nacional, ouvidos os órgãos setoriais do Poder Público, no âmbito de suas competências.

§ 4º É vedada a comunicação ou o uso compartilhado entre controladores de dados pessoais sensíveis referentes à saúde com objetivo de obter vantagem econômica, exceto nas hipóteses relativas a prestação de serviços de saúde, de assistência farmacêutica e de assistência à saúde, desde que observado o § 5º deste artigo, incluídos os serviços auxiliares de diagnose e terapia, em benefício dos interesses dos titulares de dados, e para permitir:

I - a portabilidade de dados quando solicitada pelo titular; ou

II - as transações financeiras e administrativas resultantes do uso e da prestação dos serviços de que trata este parágrafo.

§ 5º É vedado às operadoras de planos privados de assistência à saúde o tratamento de dados de saúde para a prática de seleção de riscos na contratação de qualquer modalidade, assim como na contratação e exclusão de beneficiários.

 

(Promotor MP/TO CESPE 2022) É vedado o tratamento de dados sensíveis, assim considerados, entre outros, os concernentes a origem étnica, convicção política e religiosa, saúde e vida sexual. (errado)

(Juiz Federal TRF4) Os dados pessoais sensíveis apenas poderão ser tratados com o consentimento do titular. (errado)

(PGE/GO FCC 2021) De acordo com a Lei Federal no 13.709/2018, Lei Geral de Proteção de Dados, uma autarquia deve exigir consentimento do titular sempre que pretender tratar dados pessoais sensíveis, dispensado aquele para as demais categorias de dados. (errado)

 

Art. 12. Os dados anonimizados não serão considerados dados pessoais para os fins desta Lei, salvo quando o processo de anonimização ao qual foram submetidos for revertido, utilizando exclusivamente meios próprios, ou quando, com esforços razoáveis, puder ser revertido.

§ 1º A determinação do que seja razoável deve levar em consideração fatores objetivos, tais como custo e tempo necessários para reverter o processo de anonimização, de acordo com as tecnologias disponíveis, e a utilização exclusiva de meios próprios.

§ 2º Poderão ser igualmente considerados como dados pessoais, para os fins desta Lei, aqueles utilizados para formação do perfil comportamental de determinada pessoa natural, se identificada.

§ 3º A autoridade nacional poderá dispor sobre padrões e técnicas utilizados em processos de anonimização e realizar verificações acerca de sua segurança, ouvido o Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais.

 

Art. 13. Na realização de estudos em saúde pública, os órgãos de pesquisa poderão ter acesso a bases de dados pessoais, que serão tratados exclusivamente dentro do órgão e estritamente para a finalidade de realização de estudos e pesquisas e mantidos em ambiente controlado e seguro, conforme práticas de segurança previstas em regulamento específico e que incluam, sempre que possível, a anonimização ou pseudonimização dos dados, bem como considerem os devidos padrões éticos relacionados a estudos e pesquisas.

§ 1º A divulgação dos resultados ou de qualquer excerto do estudo ou da pesquisa de que trata o caput deste artigo em nenhuma hipótese poderá revelar dados pessoais.

§ 2º O órgão de pesquisa será o responsável pela segurança da informação prevista no caput deste artigo, não permitida, em circunstância alguma, a transferência dos dados a terceiro.

§ 3º O acesso aos dados de que trata este artigo será objeto de regulamentação por parte da autoridade nacional e das autoridades da área de saúde e sanitárias, no âmbito de suas competências.

§ 4º Para os efeitos deste artigo, a pseudonimização é o tratamento por meio do qual um dado perde a possibilidade de associação, direta ou indireta, a um indivíduo, senão pelo uso de informação adicional mantida separadamente pelo controlador em ambiente controlado e seguro.

 

(Juiz Federal TRF3 2022) Pesquisadores da área de saúde de uma Universidade pública federal estão realizando uma pesquisa para investigar a hipótese de que a COVID-19 impactou de maneira desigual a população negra no país. Para tanto, requereram o acesso à base de dados pessoais do Sistema Único de Saúde às autoridades sanitárias federais. Assinale a alternativa CORRETA quanto à incidência da Lei Geral de Proteção de Dados à hipótese:

(A) Como o dado sobre a origem racial ou étnica é considerado um dado pessoal sensível pela legislação,

apenas com o consentimento de cada indivíduo seria possível esse acesso.

(B) Na realização de estudos em saúde pública, os órgãos de pesquisa poderão ter acesso a bases de dados pessoais, inclusive a origem racial ou étnica, desde que os estudos sejam mantidos em ambiente controlado e seguro, respeitando-se, sempre que possível, a anonimização ou pseudonimização dos dados, e observância dos padrões éticos nos termos da legislação.

(C) O órgão de pesquisa será o responsável pela segurança da informação, admitindo-se, apenas em circunstâncias excepcionais, a transferência dos dados a terceiros como previsto na legislação.

(D) A Lei Geral de Proteção de Dados não tem disciplina sobre tratamento de dados pessoais realizados para fins exclusivamente acadêmicos.

Letra B

 

(PGE/SC FVG 2022) Maria, servidora pública efetiva do Estado de Santa Catarina, requer, para fins de formulação do pedido de sua licença-maternidade, cópia integral dos autos de processo administrativo por meio do qual foi formalizado o requerimento de licença-maternidade da sua colega, a servidora pública efetiva Sônia. Nos autos desse processo, há informações sobre a gravidez, dados genéticos e número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF/MF) da criança e de terceiros. Você, como procurador do Estado de Santa Catarina, é instado a se pronunciar sobre o pedido de Maria. À luz das disposições da Lei Geral de Proteção de Dados, o pedido deve ser:

(A) inadmitido e arquivado, pois nenhum servidor tem direito de acesso à informação de outro servidor;

(B) inadmitido e arquivado, na medida em que compete a Maria requerer a licença-maternidade, como lhe aprouver, não sendo imprescindível a obtenção das cópias para o exercício desse direito;

(C) admitido e integralmente indeferido, pois havendo dados sensíveis da mãe, da criança e de terceiros, esses dados tornam o processo totalmente sigiloso;

(D) admitido e parcialmente deferido, permitindo-se o fornecimento das cópias requeridas com a anonimização, o bloqueio ou a eliminação de dados pessoais de outros servidores ou particulares, que sejam inúteis para o exercício dos direitos previstos na legislação estatutária;

(E) admitido e integralmente deferido, com o fornecimento, inclusive, de dados sensíveis da mãe, da criança e de terceiros, a Maria, pois a proteção dos dados, ainda que sensíveis da mãe, da criança e de terceiros não pode se sobrepor ao interesse público no acesso amplo e irrestrito às informações constantes dos processos administrativos.

Letra D

 

 

 


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