terça-feira, 21 de novembro de 2023

A agência de viagens que vendeu as passagens aéreas tem responsabilidade pelo cancelamento do voo?

Imagine a seguinte situação hipotética:

Lucas adquiriu passagem aérea da Gol Linhas Aéreas Inteligentes S.A., vendida pela empresa Voe Bem Agência de Viagens.

Não houve problemas com o voo de ida, contudo, o voo de volta, previsto para o dia 12/04/2021, foi cancelado.

Como justificativa, a Gol alegou que precisou reajustar a malha aérea devido à Covid-19.

A companhia aérea propôs a realocação do passageiro em um outro voo no dia 18/04/2021.

Ocorre que Lucas precisava retornar para a sua cidade no dia marcado, por razões profissionais. Diante disso, ele teve que comprar passagem de outra companhia aérea para retornar no dia seguinte.

Algumas semanas depois, Lucas ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra a Gol e a Voe Bem, em litisconsórcio passivo.

Requereu a condenação das rés ao pagamento de danos materiais no valor de R$ 4.576,00 (valor da passagem) e R$ 10 mil, a título de danos morais.

A Voe Bem apresentou contestação, alegando, dentre outros argumentos, a ilegitimidade passiva, considerando que a não realização da viagem se deu por culpa exclusiva da companhia aérea.

Afirmou ter cumprido o contrato firmado com o autor com o envio das passagens compradas e que a responsabilidade no caso de alterações ou cancelamento seria unicamente da companhia aérea.

 

O que decidiu o STJ? A sociedade empresarial (agência de viagens) que apenas vendeu as passagens aéreas tem responsabilidade pelo cancelamento do voo?

NÃO.

Inicialmente, é importante deixar claro que não houve nenhum defeito (vício) no serviço de venda da passagem, prestado pela agência de viagens.

As passagens aéreas foram devidamente emitidas nos moldes da compra efetuada.

A agência de viagens não possui, contudo, responsabilidade pelo efetivo cumprimento do contrato de transporte aéreo.

A situação narrada enquadra-se em duas hipóteses nas quais o próprio CDC exclui a responsabilidade civil do fornecedor. Trata-se dos incisos I e II do § 3º do art. 14 do CDC:

Art. 14 (...)

§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

 

Conforme já explicado, não houve defeito em relação à prestação do serviço que incumbia à empresa que intermediou a venda da passagem, isto é, a emissão dos bilhetes aéreos (inciso I). Além disso, houve culpa exclusiva de terceiro, companhia aérea, no tocante ao cancelamento do voo contratado (inciso II).

As normas do Estatuto Consumerista (CDC) possuem como finalidade a busca pelo equilíbrio nas relações de consumo, prevendo princípios e regras próprias para proteger o consumidor de eventuais prejuízos na aquisição de produtos e serviços. Uma dessas garantias em favor do consumidor é justamente a responsabilidade solidária dos fornecedores de serviço. A despeito disso, a sua aplicação não pode ultrapassar os limites da razoabilidade, tanto que o próprio diploma consumerista traz hipóteses de exclusão da responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços.

 

Em suma:

A vendedora de passagem aérea não responde solidariamente com a companhia aérea pelos danos morais e materiais experimentados pelo passageiro em razão do cancelamento do voo.

STJ. 3ª Turma. REsp 2.082.256-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/9/2023 (Info 788).


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