quinta-feira, 22 de junho de 2023

O imóvel penhorado para pagamento da dívida deve ser avaliado necessariamente por perícia, não sendo possível que seu valor seja fixado pelo próprio julgador com base nas regras de experiência comum previstas no art. 375 do CPC

Imagine a seguinte situação hipotética:

O banco ajuizou execução de título extrajudicial (confissão de dívida) contra uma faculdade privada cobrando um débito de R$ 10 milhões.

Citada, a faculdade não pagou nem ofereceu bens à penhora.

A penhora eletrônica de ativos financeiros restou infrutífera.

No curso do processo, a exequente indicou para penhora um imóvel, qual seja, um dos prédios onde funciona a faculdade.

O juízo determinou a penhora do imóvel.

Determinou-se, então, a avaliação do bem.

O Oficial de Justiça responsável pelo cumprimento do mandado avaliou o imóvel em R$ 12 milhões.

O exequente discordou da avaliação e afirmou que o imóvel valeria R$ 8 milhões.

Novamente ouvido, o Oficial de Justiça ressaltou que a avaliação era complexa porque envolve imóvel que funciona como polo universitário, com várias salas de aula, auditórios, áreas comuns etc. Sugeriu, por essa razão, a indicação de um perito para realização da avalição.

O exequente também formulou pedido de designação de perito para que procedesse a avaliação.

A executada afirmou que, em uma execução trabalhista, o imóvel foi avaliado em R$ 15 milhões.

O juiz indeferiu o pedido de realização de perícia, afirmando que determinar uma perícia somente retardar ainda mais a execução, mesmo porque certamente haveria nova impugnação.

O magistrado disse que conhece bem a região e, com fundamento nas regras de experiência comum (art. 375 do CPC), fixou o valor do imóvel penhorado em R$ 11 milhões. Confira o que diz o art. 375 do CPC:

Art. 375. O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.

 

Agiu corretamente o magistrado neste caso hipotético? O imóvel penhorado para pagamento da dívida deve ser avaliado necessariamente por perícia ou pode seu valor ser fixado pelo próprio julgador com base nas máximas da experiência de que trata o art. 375 do CPC?

Não agiu corretamente. É necessária perícia neste caso.

De acordo com José Carlos Barbosa Moreira:

“As regras (ou máximas) da experiência são noções que refletem um conhecimento reiterado, acumulado a partir de uma série de acontecimentos semelhantes, com base na qual se pode afirmar, a partir de um raciocínio indutivo, que determinada coisa acontecerá de determinada forma no futuro ou que se passa, provavelmente, de determinada forma” (Regras da experiência e conceitos juridicamente indeterminados. Temas de direito processual - segunda série. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 62).

 

Tradicionalmente, as regras da experiência exercem diversas funções no processo. Auxiliam, por exemplo, o juiz a entender e interpretar as alegações e o depoimento das partes para melhor compreender certas palavras e expressões em ambientes e circunstâncias específicos ou o significado peculiar de determinados termos segundo o lugar ou o dialeto do entrevistado.

Sob a mesma perspectiva, também se pode afirmar que elas auxiliam na aplicação de enunciados normativos abertos, informando e esclarecendo conceitos jurídicos indeterminados como “perigo de dano” ou “animal perigoso”.

Ainda auxiliam na formação do juízo de verossimilhança essencial ao convencimento do julgador.

Dentro do sistema de persuasão racional, as regras de experiência pavimentam a construção do raciocínio lógico e estruturado que põe limites à atividade jurisdicional e permite prolação de uma decisão verdadeiramente fundamentada.

No entanto, as regras da experiência, muito embora constituam um conhecimento próprio do juiz, não se confundem com o conhecimento pessoal que ele tem a respeito de algum fato concreto. Elas designam um conhecimento já cristalizado na cultura do homem médio, um patrimônio comum da coletividade que, precisamente em razão disso (a exemplo do que ocorre com os fatos notórios) dispensa produção probatória.

O juiz pode valer-se de um conhecimento empírico ou científico que já caiu em domínio público para julgar as causas que se lhe apresentam, porque em relação a essas questões, não há necessidade de produzir prova. Não está autorizado, porém, a julgar com base no conhecimento pessoal que possui a respeito de algum fato específico, obtido sem o crivo do contraditório. E é justamente porque conhecimentos técnicos não universalizados demandam prova específica, mesmo constituindo um “saber privado do juiz”, que a parte final do art. 375 do CPC adverte sobre a necessidade de perícia em alguns casos:

Art. 375. O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.

 

No caso dos autos, não há como afirmar que o valor do bem penhorado, considerando suas dimensões, localização e conformação específica, constitui matéria de conhecimento público.

O homem médio não tem condições de afirmar se o imóvel em questão vale R$ 12 milhões, como indicado pelo Oficial de Justiça, R$ 15 milhões, como apurado na Justiça do Trabalho, ou R$ 8 milhões, como sustentado pelo exequente.

A mera utilização, em reforço de argumentação, de que o valor atribuído correspondia com aquele considerado pela Prefeitura como valor venal do bem é insuficiente para dispensar a realização de perícia. Só se autoriza a utilização do conhecimento técnico ou científico pelo juiz, com dispensa da perícia, quando o fato se fundar em máxima de experiência de aceitação geral, o que não é o caso.

Conquanto se possa admitir que o julgador, por conhecer o mercado imobiliário de determinada região e também o imóvel penhorado, pudesse saber o seu real valor, não há como afirmar que essa seja uma informação de conhecimento público.

Impossível sustentar, nesses termos, que bem imóvel possa ser avaliado sem produção de prova pericial, pelo próprio julgador, com base no art. 375 do CPC.

 

Em suma:


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