terça-feira, 20 de junho de 2023

A via processual adequada para a retomada, pelo proprietário, da posse direta de imóvel locado é a ação de despejo, não servindo para esse propósito o ajuizamento de ação possessória

Imagine a seguinte situação hipotética:

João era proprietário de um apartamento que foi alugado para Regina.

Após a morte de João, seu filho Pedro herdou o apartamento e pediu para Regina desocupá-lo porque não tinha mais interesse na locação e pretendia tomar posse direta do imóvel.

Regina não aceitou.

Diante desse cenário, Pedro ajuizou ação de reintegração de posse contra Regina, requerendo a sua retirada do imóvel.

Regina contestou a demanda argumentando que a via escolhida por Pedro (ação de reintegração de posse) seria inadequada, uma vez que havia um vínculo locatício entre as partes, de forma que o instrumento processual adequado para a retomada do imóvel alugado seria a ação de despejo.

 

Agiu corretamente João ao propor ação de reintegração de posse neste caso?

NÃO.

 

Confira a redação do art. 5º da Lei nº 8.245/91:

Art. 5º Seja qual for o fundamento do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo.

 

Ok. O instrumento adequado era a ação de despejo. Mas neste caso, seria possível aplicar o princípio da fungibilidade e conhecer da ação de reintegração de posse como se fosse uma ação de despejo?

NÃO.

O art. 554 do CPC/2015 prevê a fungibilidade entre as ações possessórias - reintegração de posse (que decorre de esbulho), manutenção de posse (decorrente de turbação) e interdito proibitório (em razão de ameaça à posse de alguém). Isso porque todas as três têm como aspecto relevante unicamente a posse, enquanto fato, sem referência a prévio direito obrigacional ou contratual:

Art. 554. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.

 

Por outro lado, na ação de despejo há uma relação contratual locatícia subjacente, de onde derivam diversos direitos e deveres do locador e do locatário, podendo daí resultar em uma situação de posse indevida.

Embora o pedido da reintegração de posse e da ação de despejo seja a posse legítima do bem imóvel, deve-se reconhecer que são pretensões judiciais com natureza e fundamento jurídico distintos.

• a ação de reintegração de posse baseia-se na situação fática possessória da coisa;

• a ação de despejo se fundamenta em prévia relação contratual locatícia, regida por norma especial, o que consequentemente impossibilita sua fungibilidade.

 

Ao se permitir o ajuizamento de ação possessória em substituição da ação de despejo, nega-se vigência ao conjunto de regras especiais da Lei de Locação, tais como prazos, penalidades e garantias processuais.

A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que, havendo comprovada relação locatícia, a pretensão de retomada do bem imóvel deve ocorrer por rito próprio, pelo ajuizamento da ação de despejo.

 

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