sábado, 24 de junho de 2023

Não há violação ao foro por prerrogativa de função se o membro do MP de 1ª instância instaura inquérito civil para apurar eventual ato de improbidade administrativa, ainda que posteriormente ofereça denúncia criminal pelos mesmos fatos

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, prefeito de um Município do interior do Estado, assinou contrato irregular com uma empresa.

As irregularidades foram levadas ao conhecimento do Ministério Público.

Em 02/02/2018, o Promotor de Justiça que oficiava na comarca instaurou inquérito civil para apurar a regularidade do contrato e a possível prática de improbidade administrativa.

Em 31/12/2018 terminou o mandato de João como prefeito.

Em 22/07/2019, com base nos elementos informativos colhidos no inquérito civil, o Promotor de Justiça:

• ajuizou ação de improbidade administrativa; e

• ofereceu denúncia criminal contra João, imputando-lhe a prática de crime em licitação.

 

A defesa impetrou habeas corpus argumentando que, na época em que as investigações iniciaram, João era Prefeito e, portanto, detinha foro por prerrogativa de função no Tribunal de Justiça, conforme previsto no art. 29, X, da CF/88:

Art. 29 (...)

X - julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça;

 

Desse modo, o Ministério Público somente poderia ter iniciado a apuração caso tivesse pedido autorização para o Tribunal de Justiça, que iria fazer a supervisão da investigação.

 

O STJ concordou com os argumentos da defesa?

NÃO.

O acusado reafirma que a denúncia criminal foi oferecida sem prévia instauração de inquérito policial (IP) ou de procedimento investigatório criminal (PIC), tendo sido instruída com a cópia do Inquérito Civil Público, em uma manobra processual para se usurpar a competência do Tribunal de Justiça local na supervisão das investigações, em violação ao princípio do juiz natural.

De fato, a inicial acusatória, que deu origem à ação penal, não foi precedida de prévia instauração de IP ou de PIC. Apoiou-se em elementos extraídos no Inquérito Civil Público.

Vale ressaltar, contudo, que, segundo jurisprudência consolidada, é plenamente legítimo “o oferecimento de denúncia com escólio em inquérito civil público” (APn 527/MT, relatora Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em 6/3/2013), não sendo o inquérito policial ou o procedimento investigativo criminal pressuposto necessário à propositura da ação penal.

Portanto, embora o investigado exercesse cargo com foro por prerrogativa de função, não havia nenhum ato de investigação criminal iniciado na origem, mas apenas o inquérito de natureza civil. Não havendo que se falar, até aquele momento, em usurpação da competência do Tribunal de Justiça local quanto à supervisão da investigação, uma vez que “não existe foro privilegiado por prerrogativa de função para o processamento e julgamento da ação civil pública de improbidade administrativa” (AgRg na AIA 32/AM, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 13/5/2016).

Não havia investigação para apurar ilícito penal, mas improbidade administrativa supostamente praticada pelo paciente.

Importante ressaltar que o simples fato de ele exercer, na época, cargo com foro privilegiado, na ocasião das investigações promovidas pela Promotoria de justiça, não demandava autorização do Tribunal de Justiça. Isso porque não se tratava de Inquérito Policial ou Procedimento Investigatório Criminal, mas tão somente de Procedimento Preparatório, que foi convertido em Inquérito Civil Público, os quais investigavam possíveis irregularidades praticadas pelo gestor público no âmbito de sua administração. Posteriormente, após terminar o mandato, é que o Ministério Público deflagrou a ação penal, não utilizando-se de prova ilícita para chegar a opinio delicti.

 

Em suma:

 

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