sexta-feira, 16 de junho de 2023

O venire contra factum proprium também se aplica para o réu no processo penal?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi denunciado como pelo crime de roubo.

A denúncia foi recebida.

O acusado foi devidamente citado para responder ao processo e apresentou resposta escrita.

O juiz rejeitou o pedido de absolvição sumária e designou audiência de instrução e julgamento.

Ao ser intimado, João não foi localizado no endereço informado.

Diante da ausência do réu na audiência, foi decretada a sua revelia.

João foi condenado.

O réu recorreu alegando que ele havia se mudado e que o juiz antes de decretar a revelia, deveria ter tentado esgotar todos os meios disponíveis para encontrá-lo.

Como o magistrado não adotou essa cautela, teria havido nulidade.

 

O STJ concordou com os argumentos do réu?

NÃO.

O réu já tinha sido citado e, portanto, tinha conhecimento da ação penal. A despeito disso, mudou de residência sem declinar seu novo endereço, fato que ensejou a decretação da revelia.

Desse modo, não se pode pretender atribuir a responsabilidade pelo seu paradeiro ao Poder Judiciário.

O réu mudou de endereço e não informou a Justiça, demonstrando, portanto, desinteresse em acompanhar o processo. Logo em seguida, com o resultado do processo desfavorável, arguiu a nulidade da revelia. Esse proceder não pode ser aceito porque representa venire contra factum proprium.

A proibição do venire contra factum proprium é um dos corolários do princípio da boa-fé objetiva e impede que o sujeito adote posturas contraditórias.

Vale ressaltar que a regra que veda o comportamento contraditório (venire contra factum proprium) aplica-se a todos os sujeitos processuais, inclusive ao réu.

 

Em suma:

 

Além do argumento acima exposto, vale frisar que, a teor do art. 565 do CPP, nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido:

Art. 565. Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.

 

No mesmo sentido:

O agravante, inequivocamente, tinha conhecimento da ação penal e optou por deixar de comparecer em Juízo, em várias oportunidades, sem motivo justificado.

A regra que veda o comportamento contraditório (venire contra factum proprio) aplica-se a todos os sujeitos processuais, e não é aceitável, a teor do art. 565 do CPP, que ele venha agora a arguir a imprescindibilidade do interrogatório, máxime quando não indica tese relevante que interferiria no resultado do julgamento.

STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1.039.077/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/12/2017.

 

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