domingo, 4 de junho de 2023

Os efeitos da modificação do regime de separação total para o de comunhão universal de bens, na constância do casamento, podem retroagir à data do matrimônio (eficácia ex tunc)?

Princípio da imutabilidade do regime de bens: vigorava no CC-1916

No CC/1916, vigorava o princípio da imutabilidade do regime de bens. Em outras palavras, depois de os nubentes terem fixado o regime de bens, não era permitida, em nenhuma hipótese, a sua alteração durante o casamento.

 

Princípio da mutabilidade justificada do regime de bens: vigora no CC-2002

O CC/2002 inovou no tratamento do tema e adotou o princípio da mutabilidade justificada do regime de bens.

Assim, atualmente, é possível que os cônjuges decidam alterar o regime de bens que haviam escolhido antes de se casar, sendo necessário, no entanto, que apontem um motivo justificado para isso:

Art. 1.639 (...) § 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

 

ý (Juiz TJ/PB 2015 CEBRASPE) O princípio da imutabilidade absoluta de regime de bens é resguardado pelo Código Civil de 2002. (errado)

ý (Juiz TJ/MS 2020 FCC) Em relação ao direito patrimonial entre os cônjuges: é admissível a livre alteração do regime de bens, independentemente de autorização judicial, ressalvados porém os direitos de terceiros. (errado)

 

Requisitos para a mudança:

a) pedido motivado de ambos os cônjuges;

b) autorização judicial após análise das razões invocadas;

c) garantia de que terceiros não serão prejudicados em seus direitos.

 

Veja como o tema foi cobrado em prova: 

ý (Juiz TJDFT 2014 – CESPE) “Admite-se a alteração do regime de bens dos casamentos celebrados após a vigência do Código Civil de 2002, independentemente de qualquer ressalva em relação a direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, em respeito ao princípio da autonomia dos consortes.” (errado)

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

Em 2010, Regina e João se casaram e optaram pelo regime da separação de bens.

Em 2020, o casal ingressou com ação de modificação de regime de bens, com o objetivo de alterá-lo para o regime da comunhão universal de bens.

O pedido foi formulado com base no art. 1.639, § 2º, do Código Civil.

Até aí, tudo bem. O ponto mais controverso foi que o casal pediu, na ação, que os efeitos da modificação do regime de separação total para o de comunhão universal de bens retroagissem à data do matrimônio (eficácia ex tunc).

Argumentaram que tal retroatividade não teria o condão de gerar prejuízos a terceiros, porque todo o patrimônio titularizado pelo casal continuaria respondendo, em sua integralidade, por eventuais dívidas, conforme prevê o art. 1.667 do Código Civil:

Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.

 

O juiz julgou o pedido parcialmente procedente. Isso porque autorizou a mudança do regime de bens, mas determinou que essa alteração deveria gerar efeitos “ex nunc”, ou seja, o magistrado rejeitou o pedido para que a modificação tivesse eficácia retroativa.

A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça.

Ainda inconformado, o casal interpôs recurso especial.

 

O STJ deu provimento ao recurso? O STJ concordou com o pedido de modificação do regime de separação de bens para o da comunhão universal de bens com efeitos retroativos?

SIM.

 

Em regra, a modificação do regime de bens possui efeito ex nunc

Como regra, a mudança de regime de bens valerá apenas para o futuro, não prejudicando os atos jurídicos perfeitos.

Contudo, a modificação poderá alcançar os atos passados se o regime adotado (exemplo: alteração de separação convencional para comunhão parcial ou universal) beneficiar terceiro credor pela ampliação das garantias patrimoniais.

 

Alteração do regime de bens não pode prejudicar direitos de terceiros

A principal exigência legal para autorizar a modificação do regime de bens é a de que essa mudança não

prejudique os direitos de terceiros.

A preocupação foi a de proteger a boa-fé objetiva, de modo que a alteração do regime não poderá ser utilizada para fraude em prejuízo de terceiros, inclusive de ordem tributária.

Se a modificação, de alguma forma, gerar prejuízo para terceiros de boa-fé, essa alteração deve ser reconhecida como ineficaz em relação a esses terceiros.

 

Retroatividade da modificação do regime de bens

No caso concreto, o STJ reconheceu ser possível que a alteração do regime de bens tivesse efeitos ex tunc.

Quando o casal muda do regime de separação para a comunhão universal, a “comunhão universal” só é completa se incluir todos os bens que eles já possuem. Ou seja, todos os bens presentes e futuros passam a ser compartilhados pelo casal. E como a lei já protege os direitos de terceiros, não há razão para o juiz dificultar a decisão do casal.

A mutabilidade do regime de bens nada mais é do que a livre disposição patrimonial dos cônjuges, senhores que são de suas coisas. Não há sentido proibir a retroatividade à data da celebração do matrimônio livremente manifestada pelos cônjuges de comunicar todo o patrimônio, inclusive aquele amealhado antes de formulado o pedido de alteração do regime de bens, especialmente no caso em que a retroatividade é corolário lógico da mudança para a comunhão universal.

 

Inexistência de prejuízo a credores

Havendo a modificação, não se configura qualquer prejuízo aos credores, visto que esses, com a alteração do regime para comunhão universal, terão mais bens disponíveis para garantir a cobrança de valores. Independentemente de constar na decisão judicial, o patrimônio continuará respondendo pelas dívidas existentes.

Quanto a eventual credor prejudicado, vale a ressalva feita pela lei que diz respeito à ineficácia em relação a direito de algum terceiro que venha a alegar prejuízo.

 

Em suma:


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