sábado, 17 de junho de 2023

Declinada a competência do feito para a Justiça estadual, não cabe à Polícia Federal prosseguir nas investigações

Imagine a seguinte situação hipotética:

A Polícia Federal instaurou inquérito para investigar a conduta de um Agente de Polícia Federal que estaria praticando crimes.

O Delegado de Polícia Federal que presidia o inquérito representou pela decretação de quebras de sigilos bancário e fiscal do investigado.

O Juiz Federal entendeu que não restou comprovado que a possível conduta delituosa tivesse nexo de causalidade com o exercício do cargo de Agente de Polícia Federal. Diante disso, declinou da competência em favor da Justiça Estadual e determinou o prosseguimento da investigação perante a Polícia Civil do Estado.

O magistrado destacou que o simples fato de o investigado ser servidor público federal não é motivo, por si só, para justificar a competência federal para o caso, principalmente se não existem elementos outros aptos a demonstrar que a possível conduta praticada pelo suspeito assim o foi no âmbito de seu exercício funcional.

Mesmo após a decisão declinatória do Juízo Federal, com expressa determinação de encaminhamento do feito à Polícia Civil, a investigação continuou a ser presidida pela Polícia Federal.

Diversas cautelares foram formuladas, pela Polícia Federal, quando os autos já estavam em trâmite perante a Justiça Estadual.

A defesa do investigado impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça requerendo o trancamento do inquérito com a remessa dos autos à Polícia Civil, para que pudesse promover as investigações que entendesse pertinentes, declarando nulos todos os atos praticados pela Polícia Federal.

O TJ denegou a ordem por entender que não havia nulidade no fato de as investigações continuarem sendo feitas pela Polícia Federal. Para a Corte estadual, é possível o prosseguimento da investigação pela Polícia Federal, mesmo após o declínio da competência para o processamento do feito perante a Justiça estadual.

Ainda inconformada, a defesa impetrou habeas corpus agora junto ao STJ.

 

O STJ concordou com os argumentos do TJ? Mesmo após a declinação de competência, era possível que a Polícia Federal continuasse a fazer as investigações dos fatos?

NÃO.

Inicialmente, é importante esclarecer que, segundo a jurisprudência do STJ, não há nulidade quando a investigação tem início perante uma autoridade policial e, posteriormente, há redistribuição do feito a outro órgão jurisdicional em razão da incompetência. Assim, o simples fato de a investigação ter começado com a Polícia Federal não gerou qualquer nulidade mesmo se reconhecendo, posteriormente, que o caso era da Justiça Estadual.

No entanto, no caso concreto, houve um agravante. Isso porque mesmo após a redistribuição do feito para a Justiça estadual, motivada pela declaração de incompetência do Juízo Federal, a investigação continuou a ser presidida pela Polícia Federal, a despeito de determinação expressa do magistrado para o encaminhamento do feito à Polícia Civil.

Mesmo após os autos já estarem em tramitação na Justiça Estadual, a Polícia Federal ainda formulou representações pedindo a decretação de prisões temporárias e o deferimento de buscas e apreensões.

Assim, identifica-se flagrante ilegalidade na continuidade das investigações pela Polícia Federal, a despeito da decisão que declinou da competência para a Justiça estadual e determinou expressamente que o processamento do inquérito policial tivesse prosseguimento perante a Polícia Civil.

Ante o exposto, é de se reconhecer a ilegalidade, por falta de atribuições, das investigações realizadas pela Polícia Federal a partir do declínio da competência da Justiça Federal para a Justiça estadual.

 

Em suma:

Declinada a competência do feito para a Justiça estadual, não cabe à Polícia Federal prosseguir nas investigações.

STJ. 6ª Turma. HC 772.142-PE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 23/3/2023 (Info 773).

 

Isso significa que todos os elementos informativos foram anulados?

NÃO. O STJ afirmou que, na limitada via do habeas corpus, não há como aferir, com precisão, se a ilegalidade declarada macula por completo o inquérito policial ou se há elementos informativos autônomos que possam ensejar a continuidade das investigações.

Assim, o STJ determinou que o Juízo de primeiro grau, após descartar todos esses elementos viciados pela ilegalidade, faça a averiguação se há outros obtidos por fonte totalmente independente, ou cuja descoberta seria inevitável a permitir o prosseguimento do feito.

 

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