Dizer o Direito

terça-feira, 23 de setembro de 2025

A Defensoria Pública possui legitimidade para propor a ação de improbidade administrativa?

Lei nº 14.230/2021 queria excluir pessoa jurídica como legitimada a propor ação de improbidade

Antes da Lei nº 14.230/2021, a Lei nº 8.429/92 previa que a ação de improbidade administrativa poderia ser proposta:

• pelo Ministério Público;

• pela pessoa jurídica interessada.

 

Havia, portanto, uma legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa.

A Lei nº 14.230/2021 tentou restringir essa legitimidade ativa e alterou a Lei nº 8.429/92 para dizer que a ação de improbidade administrativa somente poderia ser proposta pelo Ministério Público. Veja:

 

AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Legitimidade para a propositura da ação

Antes da Lei nº 14.230/2021

Depois da Lei nº 14.230/2021

A ação de improbidade podia ser proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada (ex: se a improbidade tivesse sido praticada contra o ente municipal, este Município poderá ajuizar a ação de improbidade).

A Lei nº 14.230/2021 disse que a ação de improbidade somente poderia ser proposta pelo Ministério Público.

A pessoa jurídica interessada não teria mais legitimidade para ajuizar ação de improbidade.

 

ADI

A Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal - ANAPE ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra essa mudança.

A ANAPE sustentou que a retirada da legitimidade dos entes públicos lesados (União, Estados, DF e Municípios) para ajuizar ações de improbidade era inconstitucional pelas seguintes razões:

1) Violação ao dever de proteção do patrimônio público: a Constituição impõe aos entes federativos o dever de zelar pelo patrimônio público. Retirar-lhes a principal ferramenta judicial para combater a corrupção e reaver prejuízos (a ação de improbidade) seria um impedimento inconstitucional ao cumprimento desse dever.

2) Afronta à autonomia e ao pacto federativo: ao concentrar a legitimidade no Ministério Público, a lei tornava os entes públicos meros “coadjuvantes”, ficando “à mercê da atuação do parquet” para defender seus próprios interesses. Isso violaria a autonomia dos Estados e Municípios;

• Retrocesso no combate à corrupção: a alteração representaria um grave retrocesso social, enfraquecendo a luta contra a improbidade administrativa, em afronta ao princípio da vedação ao retrocesso.

• Ofensa aos princípios da eficiência e da moralidade: o ente público diretamente lesado é quem melhor conhece a extensão do dano e tem o maior interesse na sua reparação. Excluí-lo da ação e da negociação de acordos seria uma medida ineficiente e contrária à moralidade administrativa.

 

A associação pediu, portanto, para que fosse restabelecida a norma anterior que previa a legitimidade concorrente dos entes públicos para ajuizar as ações por ato de improbidade administrativa.

 

O STF concordou com esse pedido da ANAPE?

SIM.

O STF decidiu que os entes públicos que tenham sofrido prejuízos em razão de atos de improbidade também estão autorizados a propor ação de improbidade e a celebrar acordos de não persecução civil em relação a esses atos.

Desse modo, o STF declarou inválidos os dispositivos da Lei nº 14.230/2021, que conferiam ao Ministério Público legitimidade exclusiva para a propositura das ações por improbidade e para a realização dos acordos.

 

CF/88 somente confere legitimidade privativa ao MP para a ação penal pública

O art. 129, § § 1º, da Constituição Federal afirma textualmente que a legitimação do Ministério Público para ações civis “não impede a de terceiros”. Essa norma é uma vedação expressa a qualquer lei que tente criar um monopólio ou exclusividade para o MP nesse campo, o que inclui a Ação de Improbidade.

 

Diferença entre legitimidade ordinária e extraordinária

A legitimidade do MP para a ação de improbidade é extraordinária, pois ele atua em nome da sociedade para defender o patrimônio público como um interesse difuso.

A legitimidade da pessoa jurídica lesada (o ente público) é ordinária, pois ela atua em nome próprio para defender seu próprio patrimônio, que foi diretamente atingido pelo ato ímprobo.

Suprimir a legitimidade ordinária do titular do direito é uma medida muito mais grave do que limitar a extraordinária.

 

Violação ao direito fundamental de acesso à justiça

Impedir que o ente público lesado pudesse ir à Justiça para buscar o ressarcimento de seus prejuízos e a punição dos responsáveis foi considerado uma violação direta ao art. 5º, XXXV, da Constituição, que garante que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

 

Retrocesso inconstitucional no combate à corrupção

Retirar do ente público a sua principal ferramenta de combate à corrupção representava um significativo retrocesso na proteção da moralidade administrativa. Isso enfraqueceria o sistema de controle e accountability, indo na contramão do imperativo constitucional de combate à improbidade.

 

Afronta ao princípio da eficiência

A pessoa jurídica diretamente afetada pelo ato ímprobo possui uma capacidade privilegiada para identificar e dimensionar o dano. Excluí-la do processo, concentrando tudo em um único órgão (o MP), foi visto como uma medida que impacta negativamente a eficiência do Estado na recuperação de ativos e na punição dos culpados.

 

Em suma:

A Fazenda Pública possui legitimidade concorrente com o Ministério Público para propor ação de improbidade administrativa e firmar acordo de não persecução civil.

A exclusividade do Ministério Público para propor ações por ato de improbidade administrativa e para firmar acordos de não persecução civil é inconstitucional, sendo legítima também a atuação da Fazenda Pública, titular do patrimônio a ser protegido.

A legitimidade da Fazenda Pública para o ajuizamento de ações por improbidade administrativa é ordinária, pois atua na defesa de seu próprio patrimônio, que compreende os princípios éticos e morais da Administração Pública.

A exclusão da legitimidade ativa das pessoas jurídicas interessadas compromete o direito ao acesso à justiça, o princípio da eficiência e o combate à improbidade, representando retrocesso institucional.

STF. Plenário. ADI 7042/DF e ADI 7043/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 31/8/2022 (Info 1066).

 

A Defensoria Pública também possui legitimidade para ajuizar ação de improbidade administrativa?

NÃO.

O STF não possui julgados tratando sobre o assunto, no entanto, a 1ª Turma do STJ decidiu que:

A Defensoria Pública não possui legitimidade para propor a ação de improbidade administrativa. 

STJ. 1ª Turma. AREsp 2.495.484-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 19/8/2025 (Info 859).

 

A Lei nº 11.448/2007 modificou o art. 5º da Lei nº 7.347/1985 com o objetivo de conferir à Defensoria Pública legitimidade para ajuizar ação civil pública em sentido amplo. Essa alteração legislativa, no entanto, não estendeu para a Defensoria Pública a legitimidade para propor a ação civil pública regida pela Lei nº 8.429/1992, cujo objeto específico é a aplicação das sanções previstas no art. 12 da referida lei.

O legislador não previu a Defensoria Pública como legitimada na Lei nº 8.429/1992. Trata-se de uma manifestação de “silêncio eloquente” por parte do legislador.

Embora tanto a ação civil pública geral (regida pela Lei nº 7.347/1985) quanto a ação por improbidade administrativa (regida pela Lei nº 8.429/1992) integrem o microssistema da tutela coletiva e compartilhem a finalidade de proteção a direitos transindividuais, possuem naturezas distintas.

A ação de improbidade possui caráter sancionatório, com regime jurídico próprio, o que justifica a previsão de regras específicas quanto à legitimidade ativa.

Ressalte-se que recentemente o art. 17 da Lei nº 8.429/1992 foi alterado pela Lei nº 14.230/2021 e o legislador, mais uma vez, não previu a Defensoria Pública no rol de legitimados para a ação.

No julgamento do STF na ADI 7042/DF também não foi prevista a Defensoria Pública.

A legitimidade da Defensoria Pública para propor ações com fundamento na Lei n. 7.347/1985 não se transfere automaticamente para as ações regidas pela Lei nº 8.429/1992.

Assim, conclui-se que a Defensoria Pública não possui legitimidade ativa para ajuizar ação de improbidade administrativa.


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