sábado, 27 de setembro de 2025
O verbo ‘trazer consigo’ do art. 33 da Lei de Drogas inclui também a posse imediata da substância, ainda que sem contato físico direto
Imagine a seguinte situação
hipotética (diferente do caso concreto):
João e mais dois amigos foram
abordados pela polícia em um terreno baldio, sentados em cima de um tablado de
madeira.
No chão, a poucos passos de onde
eles estavam, havia uma mochila aberta contendo várias porções de maconha e
cocaína.
João e os outros dois indivíduos foram denunciados pelo
crime de tráfico de drogas, tipificado no art. 33 da Lei nº 11.343/2006:
Art. 33. Importar, exportar,
remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda,
oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever,
ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15
(quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos)
dias-multa.
A defesa alegou que João não
poderia ser condenado pelo crime porque a sua conduta não se amoldava em nenhum
dos verbos do art. 33 da Lei de Drogas. Logo, sua conduta seria atípica.
O STJ concordou com esse
argumento da defesa?
NÃO. O STJ entendeu que a conduta
do réu se enquadrava no verbo nuclear “trazer consigo”.
No caso, analisando os 18 núcleos
do tipo (importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,
vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo,
guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer), a conduta dos
acusados (aglomerados ao redor de um tablado com a droga) só pode se amoldar a “trazer
consigo”.
Como a apreensão ocorreu no
espaço público, isso exclui os núcleos “ter em depósito” ou “guardar”. E como
nenhum ato de comercialização ou preparo foi visualizado, isso também exclui os
demais núcleos.
Mas a droga não estava
fisicamente com João. Ela estava em uma mochila próxima dele... Mesmo assim, é
possível considerar que ele praticou o verbo “trazer consigo”?
SIM. O “trazer consigo” não se
limita aos casos de contato físico com a droga. Engloba também a
disponibilidade da droga.
Ainda que somente um acusado
eventualmente tenha levado o entorpecente para aquele local, no momento da
apreensão todos já estavam na disponibilidade da droga disposta no tablado em
frente de todos. Como todos estavam aglomerados ao redor da droga, todos “traziam
consigo”.
A adoção de interpretação diversa
levaria à conclusão de atipicidade da conduta e, consequentemente, à absolvição
dos acusados, diante da ausência de prova quanto à identidade do responsável
por levar a droga ao local. Tal raciocínio, contudo, mostra-se inadequado e
irrazoável.
Essa mesma lógica resultaria,
ainda, na atipicidade de situações em que o entorpecente é encontrado próximo
ao acusado em via pública, mas não em seu corpo, como nos casos em que a
substância é escondida sob um muro, arbusto ou outro objeto. Bastaria, nessas
circunstâncias, sustentar que a droga teria sido colocada previamente por
terceiro e, portanto, sem o contato físico, não estaria “em poder” do acusado.
Além disso, a tese de atipicidade
também se estenderia às hipóteses de uso pessoal. Isso porque, nem mesmo no
art. 28 da Lei nº 11.343/2006, seria possível subsumir a conduta, já que não se
ajustaria a nenhum dos núcleos típicos descritos (adquirir, guardar, ter em
depósito, transportar ou trazer consigo). Em outras palavras, bastaria que o
agente permanecesse despercebido durante o transporte até o local público,
ainda que a droga continuasse sob sua esfera de disponibilidade, para assegurar
a absolvição por falta de provas.
Dessa forma, reconhecido que os
réus estavam reunidos em torno de um tablado de madeira sobre o qual se
encontravam as drogas, conclui-se que todos, em concurso de vontades, mantinham
a posse conjunta do entorpecente. A presença das substâncias à frente dos
acusados, dentro de sua esfera de disponibilidade e com o intuito de repartição
entre si, revela-se suficiente para caracterizar o núcleo típico da conduta.
Em suma:
O verbo nuclear “trazer consigo” previsto no art. 33
da Lei nº 11.343/2006 não se limita à conduta de manter contato direto com a
droga junto ao próprio corpo, pois também abrange a conduta de ter os
entorpecentes à sua imediata disposição, ainda que sem contato corporal
imediato.
STJ. 6ª
Turma. AgRg no AREsp 2.791.130-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
19/8/2025 (Info 859).
