Dizer o Direito

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

É indevido o arbitramento de aluguel pelo uso exclusivo de bem comum por ex-cônjuge que reside com filho menor, em situação de vulnerabilidade econômica e amparada por medida protetiva decorrente de violência doméstica

Imagine a seguinte situação hipotética:

Carla e Roberto foram casados por anos e tiveram três filhos. Durante o casamento, adquiriram um imóvel onde a família residia.

Carla decidiu pedir o divórcio. Roberto não aceitou bem a separação e passou a fazer ameaças à ex-esposa, chegando a ameaçá-la de morte.

Diante da gravidade das ameaças, foi deferida medida protetiva de urgência determinando o afastamento de Roberto do lar conjugal em março de 2019.

Carla permaneceu residindo na casa juntamente com os filhos do casal.

Durante o processo de divórcio, o juiz determinou que Carla deveria pagar um “aluguel” de 0,25% sobre o valor do imóvel ao ex-marido, como compensação pelo uso exclusivo do bem comum desde a data do afastamento dele (março de 2019).

 

A decisão do magistrado está em harmonia com a jurisprudência do STJ?

NÃO.

 

Regra geral: o uso exclusivo de bem comum por um ex-cônjuge gera direito à indenização para quem foi privado do uso

Após a separação ou o divórcio, o uso exclusivo de bem imóvel comum por um dos ex-cônjuges autoriza aquele que ficou privado da fruição do bem a pleitear indenização correspondente à sua quota-parte sobre um aluguel presumido (art. 1.319 do Código Civil).

Importante destacar que não se trata de locação regida pela Lei do Inquilinato, mas de indenização pelo uso exclusivo do bem comum, cujo fundamento está na vedação ao enriquecimento sem causa (art. 884 do CC).

 

Existem, contudo, situações em que a indenização não é devida

Embora o arbitramento de aluguel seja a regra, o STJ reconhece hipóteses em que não há enriquecimento sem causa e, portanto, a indenização não se aplica. São elas:

 

1) Uso do imóvel em benefício dos filhos

Não há posse exclusiva quando o ex-cônjuge permanece no imóvel com a prole comum.

O dever de sustento abrange despesas de moradia, e o uso do imóvel nesse contexto beneficia ambos os genitores.

 

2) Ex-cônjuge em situação de vulnerabilidade

Quando o responsável pelos filhos, após a separação, permanece no imóvel em condição de hipossuficiência, o arbitramento pode ser afastado. A sobrecarga financeira e o trabalho de cuidado devem ser considerados.

 

3) Medida protetiva em casos de violência doméstica

A Lei Maria da Penha prevê o afastamento do agressor do lar. Nessas hipóteses, não há enriquecimento sem causa da vítima que permanece no imóvel.

O STJ tem decidido que impor indenização nesses casos seria desproporcional e incompatível com a proteção da dignidade da mulher.

Portanto, quando a posse exclusiva decorre de medida protetiva, é incabível exigir aluguel da mulher vítima de violência doméstica que permanece no imóvel comum.

 

Em suma:

É descabido o arbitramento de aluguel em desfavor da mulher vítima de violência doméstica que, após o divórcio, permanece na posse exclusiva de bem imóvel do ex-casal e reside com a prole comum após o afastamento do cônjuge ou companheiro da residência familiar em razão de medida protetiva de urgência, pois não se configura enriquecimento sem causa ou vantagem do ex-cônjuge que permanece no imóvel. 

STJ. 3ª Turma. REsp 2.166.825-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 3/6/2025 (Info 858).


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