Dizer o Direito

domingo, 21 de setembro de 2025

A droga apreendida tem uma natureza muito nociva, no entanto, a quantidade apreendida foi pequena; neste caso, não se pode aumentar a pena-base com fundamento no art. 42 da LD

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi preso em flagrante vendendo drogas.

Com ele foram apreendidos 5g de crack.

João foi denunciado e condenado por tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006).

Na primeira fase da dosimetria da pena, o juiz aumentou a pena-base afirmando que:

- o art. 42 da Lei de Drogas prevê que a natureza da droga deverá ser levada em consideração na fixação da pena:

Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.

 

- o crack é uma das drogas mais nocivas à saúde humana;

- o crack é uma forma de cocaína de ação mais rápida e intensa, causando forte dependência em pouco tempo. Os efeitos no organismo são devastadores: problemas cardiovasculares, respiratórios, neurológicos e psiquiátricos. O risco de overdose e morte é maior em comparação com muitas outras drogas ilícitas;

- logo, a pena-base deve ser aumentada.

 

Recurso da defesa

A Defensoria Pública, fazendo a assistência jurídica do réu, recorreu argumentando que, mesmo sendo o crack a droga apreendida, não se pode aumentar a pena só por causa de sua natureza, já que a quantidade encontrada foi muito pequena. Por isso, não seria razoável fixar a pena-base acima do mínimo previsto em lei.

 

O STJ concordou com a tese da defesa?

SIM.

De fato, o art. 42 da Lei nº 11.343/2006 estabelece que, na primeira fase da dosimetria da pena (art. 59 do CP), devem prevalecer:

• a natureza da droga;

• a quantidade da droga;

• a personalidade do agente;

• a conduta social do agente.

 

No entanto, o STJ, interpretando esse dispositivo, entende que é desproporcional aumentar a pena-base quando a quantidade de droga apreendida não possui relevância expressiva.

Tal entendimento tem por fundamento os princípios da proporcionalidade e da vedação à dupla valoração negativa. Isso porque a apreensão de pequena quantidade de entorpecente não eleva de forma significativa a gravidade da conduta além do que já foi considerado pelo legislador ao fixar a pena mínima do tipo penal do art. 33 da Lei de Drogas. Assim, a utilização da quantidade ínfima como circunstância judicial negativa implicaria indevido bis in idem, uma vez que se trata de elemento inerente ao próprio tipo penal.

Além disso, mesmo que a substância apreendida possua elevado potencial lesivo em tese, como ocorre com a cocaína ou o crack, tal fator não justifica a exasperação da pena quando a quantidade for insignificante. Valorizar exclusivamente a natureza da droga, desconsiderando a sua reduzida quantidade, compromete a proporcionalidade da sanção imposta.

Dessa forma, a apreensão de pequenas porções de entorpecentes, ainda que de substâncias altamente nocivas, não autoriza o agravamento da pena-base, sob pena de ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, que orientam a individualização da pena.

 

Tese fixada:

Na análise das vetoriais da natureza e da quantidade da substância entorpecente, previstas no art. 42 da Lei n. 11.343/2006, configura-se desproporcional a majoração da pena-base quando a droga apreendida for de ínfima quantidade, independentemente de sua natureza. 

STJ. 3ª Seção. REsps 2.003.735-PR e 2.004.455-PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/8/2025 (Recurso Repetitivo - Tema 1262) (Info 858).


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