quinta-feira, 25 de setembro de 2025
A fundamentação per relationem é válida desde que o julgador enfrente, ainda que sucintamente, as novas questões relevantes para o julgamento
O que é fundamentação por
referência (per relationem)?
Trata-se de uma forma de motivação por meio da
qual se faz remissão ou referência às alegações de uma das partes, a precedente
ou a decisão anterior nos autos do mesmo processo.
É chamada de motivação ou fundamentação per
relationem ou aliunde. Também é denominada de motivação
referenciada, por referência ou por remissão.
Espécies
A fundamentação por referência apresenta duas formas
habituais:
1) Exclusiva (ou pura):
É a que se limita à reprodução pura e simples
da decisão anterior como razão de decidir, confirmando a decisão “por seus
próprios fundamentos”, por ser “de inequívoco acerto”, por “não terem sido
apresentados argumentos aptos à modificação das conclusões”, ou outras fórmulas
gerais que não revelam efetiva análise autônoma por parte da Corte incumbida do
julgamento do recurso.
O que caracteriza essa forma de motivação per
relationem é a ausência de efetivo diálogo com as razões do recurso, na medida em
que a mera reprodução da decisão anterior sequer permite aferir se houve
análise dos fundamentos do recurso interposto.
2) Integrativa (ou moderada):
É aquela em que, para além de reproduzir total
ou parcialmente a decisão anterior como razão de decidir, realiza-se efetiva análise
dos fundamentos do recurso, seja para rejeitá-los, seja para acolhê-los.
Conforme frequente referência da
jurisprudência do STJ, é a fundamentação que, embora reproduza fundamentos da
decisão anterior, aporta “elementos próprios de convicção” de modo a “enfrentar
todas as questões relevantes para o julgamento”.
A decisão anterior é integrada ao discurso
justificativo da decisão da Corte que examina efetivamente os
fundamentos do recurso, de modo autônomo,
reproduzindo a decisão anterior naquilo em que seja necessário para exame das
razões recursais, “acompanhada da exposição de fundamentos autônomos em
corroboração às manifestações transcritas”, relacionando “ao caso dos autos aos
fundamentos apresentados no recurso ou relativos à causa”.
Essa classificação foi apresentada na manifestação
do IBDP oferecida no processo como amicus curiae, tendo sido assinada por
grandes processualistas: BUENO, Cássio Scarpinella; ALVIM, Teresa Arruda;
FLACH, Daisson; LUCCA, Rodrigo Ramina de; e DOTTI, Rogéria Fagundes.
A técnica da fundamentação por
referência (per relationem) é permitida?
SIM, mas desde que o julgador, ao reproduzir
trechos de decisão anterior, documento e/ou parecer como razões de decidir,
enfrente, ainda que de forma sucinta, as novas questões relevantes para o
julgamento do processo, dispensada a análise pormenorizada de cada uma das
alegações ou provas.
Foi o que decidiu a Corte Especial STJ no Tema
1.306 (REsp 2.148.059-MA).
STF também considera válida a
fundamentação por referência
O STF, por ocasião da análise do Tema de
Repercussão Geral 339, considerou válida a fundamentação por referência
utilizada em um acórdão do TST, tendo, na ocasião, firmado a seguinte tese
jurídica:
O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou
decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o
exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas.
STF. Plenário. AI 791292 QO-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado
em 23/06/2010 (Repercussão Geral – Tema 339).
Mesmo após o CPC de 2015, o Plenário do STF tem
reconhecido a validade da fundamentação por referência como técnica de
motivação da decisão judicial:
A Corte admite como motivação per relationem ou por remissão a
simples referência aos fundamentos de fato ou de direito constantes de
manifestação ou ato decisório anterior.
O art. 93, IX, da Lei Maior exige que o acórdão ou decisão sejam
fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame
pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os
fundamentos da decisão.
STF. 1ª Turma. RE 1.409.423 AgR, Rel. Min. Cristiano Zanin,
julgado em 28/8/2023.
A fundamentação per relationem, quando suficiente para
justificar as conclusões, não viola o art. 93, IX, da CF, nem configura
negativa de prestação jurisdicional.
STF. 2ª Turma. RE 1.542.987 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes,
julgado em 26/5/2025.
O § 3º do art.
1.021 do CPC prevê o seguinte:
Art.
1.021 (...)
§
3º É vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão
agravada para julgar improcedente o agravo interno.
Assim,
de acordo com esse dispositivo, quando um tribunal julgar um agravo interno
(recurso usado contra decisão monocrática de um relator), não seria possível simplesmente
copiar e colar a decisão anterior.
O STJ afirma, contudo, que o § 3º do art. 1.021 deve ser
interpretado em conjunto com o art. 489, § 1º, IV:
Art. 489 (...)
§ 1º Não se considera
fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou
acórdão, que:
(...)
IV - não enfrentar todos os
argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão
adotada pelo julgador;
Assim, se a parte repete as
mesmas alegações de antes, sem trazer nada novo, o relator pode sim
reaproveitar a fundamentação anterior (per relationem), sem que isso
torne a decisão nula.
Exemplo em que será válida a
fundamentação per relationem no agravo interno:
João ajuizou ação contra o Banco
pedindo revisão do contrato pela existência de capitalização mensal de juros.
O juiz julgou improcedente,
afirmando que as instituições financeiras podem praticar capitalização mensal.
João interpôs apelação afirmando
que a capitalização mensal de juros é proibida pela legislação.
O Desembargador Relator, em
decisão monocrática, negou provimento à apelação afirmando que, em regra, a
capitalização mensal é vedada, mas que ela é autorizada para os bancos, como no
caso concreto.
Ainda inconformado, João interpôs
agravo interno. Ao se analisar o agravo interno percebe-se que as razões
invocadas foram as mesmas da apelação, ou seja, a alegação de que a
capitalização mensal de juros é proibida pela legislação. Assim, João, no
agravo, não trouxe nenhum argumento novo.
Nesse cenário, o voto do
Desembargador Relator, no agravo interno, pode reproduzir a fundamentação da
decisão monocrática anterior (fundamentação per relationem), porque não há
argumento novo ou relevante a ser apreciado. O Tribunal de Justiça pode,
validamente, acolher esse voto. A decisão não será nula, pois todos os argumentos
deduzidos já tinham sido enfrentados, estando de acordo com o art. 489, §1º,
IV, do CPC.
Exemplo em que não será
válida a fundamentação per relationem no agravo interno:
Pedro, servidor público,
ingressou com ação contra o Estado pedindo a incorporação de um adicional em
seus vencimentos. O juiz negou o pedido, pronunciando a prescrição.
Pedro apelou, mas o relator, em
decisão monocrática, negou seguimento à apelação, mantendo a sentença sob o
fundamento de que o prazo prescricional havia se esgotado.
Pedro interpôs agravo interno,
mas desta vez trouxe um novo argumento: havia uma ação coletiva anterior que
interrompeu o prazo prescricional.
Se o voto do Relator
(eventualmente acolhido pelo Tribunal) apenas copiar e colar a sua decisão
monocrática anterior, sem analisar a alegação de interrupção da prescrição,
haverá nulidade da decisão. Isso porque o novo argumento é relevante e capaz de
modificar o resultado. Logo, o Tribunal tem o dever de enfrentá-lo
expressamente.
Veja então que, neste caso, a
fundamentação per relationem não pode ser usada de forma isolada, sob
pena de violação ao art. 489, §1º, IV e art. 1.021, §3º, do CPC.
Agravo interno e
fundamentação por referência:
• Pode usar fundamentação per
relationem: quando o recurso repete os mesmos pontos já enfrentados;
• Não pode usar per relationem:
quando surgem argumentos novos ou relevantes, que precisam de análise
específica.
Tese fixada:
1) A técnica da fundamentação por referência (per
relationem) é permitida desde que o julgador, ao reproduzir trechos de
decisão anterior, documento e/ou parecer como razões de decidir, enfrente,
ainda que de forma sucinta, as novas questões relevantes para o julgamento do
processo, dispensada a análise pormenorizada de cada uma das alegações ou
provas.
2) O § 3º do artigo 1.021, do CPC não impede a
reprodução dos fundamentos da decisão agravada como razões de decidir pela
negativa de provimento de agravo interno quando a parte deixa de apresentar
argumento novo para ser apreciado pelo colegiado.
STJ. Corte
Especial. REsps 2.148.059-MA, 2.148.580-MA e 2.150.218-MA, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, julgado em 20/8/2025 (Recurso Repetitivo - Tema 1306) (Info
859).
