Dizer o Direito

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

A leitura pode gerar remição da pena, desde que haja avaliação por comissão oficial instituída pelo juízo da execução

LEP não fala expressamente em remição pela leitura de livros

A Lei de Execução Penal – LEP (Lei nº 7.210/1984), no art. 126, prevê a remição de pena pelo trabalho e pelo estudo. A LEP não menciona explicitamente a leitura de livros como forma de remição.

Mesmo assim, o CNJ fez uma intepretação extensiva do art. 126 da LEP e editou dois atos normativos permitindo a remição pela leitura, desde que cumpridos certos procedimentos.

Em 2013, o CNJ publicou a Recomendação nº 44/2013, que já admitia a remição pela leitura, de forma complementar ao estudo.

Em 2021, a Resolução nº 391 foi além: institucionalizou a leitura como prática social educativa autônoma, com regras claras (4 dias de remição por livro, até 12 livros/ano).

 

Resolução CNJ nº 391/2021

A Resolução nº 391/2021, do CNJ, estabelece procedimentos para o reconhecimento do direito à remição de pena por meio de práticas sociais educativas. Esta Resolução prevê expressamente a remição da pena pela leitura de livros.

Regras principais do art. 5º da Resolução sobre a remição pela leitura:

• Caráter voluntário: a leitura não é obrigatória, mas quem desejar pode pegar livros da biblioteca da unidade prisional.

• Comprovação da leitura: a pessoa registra o empréstimo e tem entre 21 e 30 dias para ler. Depois, deve apresentar um relatório de leitura (em até 10 dias), seguindo um roteiro fornecido pelo juiz ou comissão.

• Cômputo da remição: cada livro lido e validado equivale a 4 dias de pena a menos. O limite é de 12 livros por ano, totalizando até 48 dias de remição por leitura anual. Com isso, o preso tem de 21 a 30 dias para ler a obra e mais 10 dias para apresentar o relatório, sempre utilizando livros do acervo oficial da biblioteca da unidade prisional.

• Comissão de validação: o Juízo competente instituirá Comissão de Validação, com atribuição de analisar o relatório de leitura. Essa análise não é como uma prova escolar. A comissão apenas verifica se a leitura foi realizada.

• Composição da comissão: a Comissão de Validação será composta por membros do Poder Executivo, especialmente aqueles ligados aos órgãos gestores da educação nos Estados e Distrito Federal e responsáveis pelas políticas de educação no sistema prisional da unidade federativa ou União, incluindo docentes e bibliotecários que atuam na unidade, bem como representantes de organizações da sociedade civil, de iniciativas autônomas e de instituições de ensino públicas ou privadas, além de pessoas privadas de liberdade e familiares.

• Inclusão e acessibilidade: pessoas em alfabetização ou com deficiência podem comprovar a leitura por meio de relatórios orais, audiobooks, leitura compartilhada ou até desenhos.

• O Estado deve disponibilizar livros em braile e outros formatos acessíveis.

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

João estava cumprindo pena de 8 anos de reclusão em regime fechado na Penitenciária.

Durante sua permanência no cárcere, ele desenvolveu o hábito da leitura como forma de ocupar o tempo e melhorar sua formação pessoal.

João conseguiu ler diversas obras literárias e elaborou resenhas detalhadas sobre cada uma delas.

Para validar suas leituras, João adotou duas estratégias diferentes:

• Para um primeiro grupo de livros, ele seguiu rigorosamente o procedimento previsto na Resolução: registrou o empréstimo na biblioteca da unidade prisional, leu as obras dentro do prazo estabelecido e submeteu suas resenhas à Comissão de Validação.

• Para um segundo grupo de livros, João contratou uma pedagoga particular para avaliar suas resenhas e atestar a qualidade de sua leitura.

 

João terá como obter a remição de pena pela leitura dos livros?

Parcialmente. Apenas para o primeiro grupo de livros.

 

Interpretação extensiva do conceito de “estudo” previsto no art. 126 da LEP

O STJ entendeu que, embora a LEP não mencione expressamente a leitura, seria um contrassenso não considerá-la uma forma de estudo, já que ler é o principal método para estudar e aprender.

Deve-se aplicar o art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que determina que o juiz deve atender aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum. Nesse contexto, os fins sociais da execução penal incluem necessariamente a ressocialização, e a leitura contribui diretamente para esse objetivo.

O próprio STF foi quem determinou ao CNJ que regulamentasse a remição pela leitura, o que resultou na Resolução nº 391/2021.

A leitura é especialmente relevante considerando o “Estado de Coisas Inconstitucionais” do sistema carcerário brasileiro, reconhecido pelo STF na ADPF nº 347. Nesse contexto, qualquer medida que possa melhorar as condições do sistema prisional deve ser incentivada, não obstaculizada.

 

Entendimento está alinhado com diretrizes internacionais

As diretrizes internacionais, como as Regras de Mandela e as Regras de Bangkok, estabelecem princípios para o tratamento de presos.

A educação, incluindo a leitura, é vista como direito fundamental que deve ser garantido mesmo durante o cumprimento da pena, como forma de preparar o indivíduo para o retorno à sociedade.

 

Vale ressaltar que apenas a leitura supervisionada por órgão oficial pode gerar remição

A Resolução nº 391/2021 do CNJ exige que uma Comissão de Validação, instituída pelo juízo da execução, avalie os relatórios de leitura. Essa comissão deve ser composta por membros do Poder Executivo, especialmente ligados aos órgãos gestores da educação, incluindo docentes e bibliotecários da unidade prisional, além de representantes da sociedade civil.

A razão para essa exigência está na necessidade de garantir a imparcialidade da avaliação e evitar fraudes.

Aceitar atestados de profissionais contratados pelo próprio apenado comprometeria a credibilidade do sistema e poderia abrir precedentes perigosos. A validação deve seguir critérios objetivos que considerem o grau de letramento do preso, a fidedignidade do relatório e a demonstração efetiva de compreensão da obra lida.

Em síntese, o STJ reconheceu que a leitura pode sim gerar remição de pena, mas apenas quando realizada dentro de um sistema oficial de controle e validação, rejeitando qualquer forma de atestação particular ou informal.

 

Em suma:

Em decorrência dos objetivos da execução penal, a leitura pode resultar na remição de pena, com fundamento no art. 126 da Lei de Execução Penal, desde que observados os requisitos previstos para sua validação, não podendo ser acolhido o atestado realizado por profissional contratado pelo apenado. 

STJ. 3ª Seção. REsp 2.121.878-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 13/8/2025 (Recurso Repetitivo - Tema 1278) (Info 859).


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