sexta-feira, 26 de setembro de 2025
Guardas municipais podem realizar busca pessoal em via pública quando houver fundada suspeita de prática delitiva
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João é um homem que vive em uma
cidade do interior de São Paulo.
Ele era conhecido da Guarda Civil
Municipal (GCM) por suspeitas de envolvimento com o tráfico de drogas.
Certo dia, João estava em um
local conhecido por ser um ponto de venda de drogas.
Uma viatura da Guarda Municipal
estava passando pelo local fazendo patrulhamento de rotina. Quando João avistou
o veículo, demonstrou nervosismo e tentou fugir correndo.
Os guardas, diante dessa atitude
suspeita, realizaram uma abordagem e, na busca pessoal, encontraram porções de
crack e maconha, além de anotações ligadas à comercialização de drogas.
Com base nessa abordagem, ele foi
preso em flagrante e denunciado por tráfico de drogas.
A Defensoria Pública, que fazia a
assistência jurídica do réu, impetrou habeas corpus argumentando que a prova
utilizada para o oferecimento e recebimento da denúncia seria ilícita.
Para a defesa, os guardas municipais não poderiam ter
realizado a busca pessoal, uma vez que possuem competência apenas para proteger
bens, serviços e instalações municipais, nos termos do art. 144, § 8º, da
CF/88:
Art.
144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos,
é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e
do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
[...]
§ 8º Os Municípios poderão
constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e
instalações, conforme dispuser a lei.
A questão chegou até o STJ.
Os argumentos da defesa foram acolhidos?
NÃO.
Reconhecimento da
competência das Guardas Municipais para ações de policiamento ostensivo e
comunitário
O entendimento anterior do STJ limitava
a atuação das guardas à proteção dos bens, serviços e instalações dos
Municípios.
Ocorre que, recentemente, o STF,
ao apreciar o RE 608.588/SP, Tema 656 de Repercussão Geral, fixou a tese no
sentido de que:
É constitucional, no âmbito dos municípios, o exercício de ações
de segurança urbana pelas Guardas Municipais, inclusive policiamento ostensivo
e comunitário, respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança
pública previstos no art. 144 da Constituição Federal e excluída qualquer
atividade de polícia judiciária, sendo submetidas ao controle externo da
atividade policial pelo Ministério Público, nos termos do artigo 129, inciso
VII, da CF. Conforme o art. 144, § 8º, da Constituição Federal, as leis
municipais devem observar as normas gerais fixadas pelo Congresso Nacional.
STF. Plenário. RE 608.588/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em
20/02/2025 (Repercussão geral – Tema 656) (Info 166).
Assim, considerando o dever de
uniformização da jurisprudência dos tribunais e manutenção de sua estabilidade,
integridade e coerência (art. 926 do CPC), bem como a devida observância ao
precedente em questão (art. 927 do CPC), deve ser aplicada a tese firmada pelo
STF.
O STF, portanto, deixou expresso
que a Guarda Municipal pode sim exercer funções de policiamento ostensivo e
comunitário, ou seja, atuar de forma preventiva e próxima da comunidade para
garantir a segurança urbana. O que a Guarda Municipal não pode é realizar atividades
típicas de polícia judiciária (como investigação criminal ou condução de
inquéritos). Isso sim será considerado um desvio de finalidade, pois não está
dentro de suas atribuições.
Fundada suspeita justifica
a busca pessoal sem mandado judicial
De acordo com o art. 244 do CPP, não é necessário mandado
judicial para a realização de busca pessoal quando há fundada suspeita de que o
indivíduo esteja portando algo ilícito:
Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no
caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na
posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito,
ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
No caso analisado, os guardas
municipais avistaram o réu em uma região conhecida por tráfico de drogas. Ao
notar a presença da viatura, ele ficou visivelmente nervoso e tentou fugir, o
que gerou a suspeita concreta que legitimou a abordagem. Ou seja, a atitude do
réu, somada ao local da abordagem, formou uma base objetiva suficiente para a
realização da busca.
Nessa linha, a Sexta Turma do STJ
já decidiu que:
A abordagem foi considerada idônea, pois havia fundada suspeita,
justificada pela tentativa de fuga do adolescente ao notar a aproximação dos
guardas municipais.
STJ. 6ª Turma. HC 929.860/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
DJEN de 10/6/2025.
Tese de julgamento:
1. Guardas municipais podem realizar busca pessoal em
via pública quando houver fundada suspeita de prática delitiva, conforme
interpretação do art. 144, § 8º, da Constituição Federal.
2. A fundada suspeita justifica a realização da busca
pessoal, especialmente diante de circunstâncias concretas que indicam possível
flagrante delito.
STJ. 6ª
Turma. AgRg no HC 909.471-SP, Rel. Min. Otávio de Almeida Toledo (Desembargador
convocado do TJSP), julgado em 12/8/2025 (Info 859).
