Dizer o Direito

sábado, 20 de setembro de 2025

A execução da pena de multa possui natureza penal e deve ser promovida pelo Ministério Público, independentemente do valor envolvido ou do custo do processo

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi condenado a 2 anos de reclusão pela prática de um crime.

Além disso, a sentença impôs uma pena de multa no valor de R$ 17.101,33.

Houve o trânsito em julgado.

João foi intimado, mas não pagou voluntariamente a multa no prazo de 10 dias estabelecido pelo art. 50 do Código Penal:

Pagamento da multa

Art. 50 - A multa deve ser paga dentro de 10 (dez) dias depois de transitada em julgado a sentença. A requerimento do condenado e conforme as circunstâncias, o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais.

 

O Ministério Público do Estado de São Paulo ingressou então com a execução da pena de multa perante o Juízo da Execução Penal.

João, assistido pela Defensoria Pública, pediu a extinção da execução sob o seguinte argumento:

- a Lei Estadual paulista nº 14.272/2010 autoriza o Estado a não propor execuções fiscais para débitos cujos valores não ultrapassem 1.200 UFESPs (atualmente, igual a R$ 44.424,00);

- o valor da multa que está sendo executada (R$ 17.101,33) é inferior a esse limite;

- logo, a execução deve ser extinta com base no fato de o valor da multa se enquadrar na autorização dada pela Lei para que se deixe de ajuizar execução fiscal.

 

Além disso, a Defensoria argumentou que o “custo operacional” da execução seria superior ao valor a ser cobrado, tornando antieconômico o prosseguimento do processo.

O juiz acolheu os argumentos da Defensoria Pública e extinguiu a execução.

A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

 

Recurso do Ministério Público

O Ministério Público, irresignado, interpôs recurso especial ao STJ, sustentando que a pena de multa não perdeu seu caráter de sanção criminal e que pouco importa o valor aplicado. Ela sempre deve ser executada se não estiver prescrita.

Argumentou ainda que a legislação penal federal não prevê requisitos econômicos para o processamento da execução de multa promovida pelo MP perante o Juízo da Execução Penal.

 

O STJ deu provimento ao recurso do MP?

SIM.

O STF, no julgamento da ADI 3.150/DF, afirmou que, mesmo após a vigência da Lei nº 9.268/1996, que alterou a redação do art. 51 do Código Penal, a multa penal não perdeu o seu caráter de sanção criminal, razão pela qual, caso não seja paga dentro de 10 dias depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 50 do CP), deverá ser executada prioritariamente pelo Ministério Público perante o Juízo das Execuções Penais, observado o procedimento descrito pelos arts. 164 e seguintes da Lei de Execução Penal.

Na ocasião, a Suprema Corte também assentou que, apenas se o Ministério Público, devidamente intimado, deixar de propor a execução da multa no prazo de 90 dias, poder-se-á, por também se tratar de “dívida de valor”, admitir a legitimidade (subsidiária) da advocacia da Fazenda Pública para a execução fiscal da multa, em Vara das Execuções Fiscais. Confira:

O Ministério Público possui legitimidade para propor a cobrança de multa decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado, com a possibilidade subsidiária de cobrança pela Fazenda Pública.

Quem executa a pena de multa?

• Prioritariamente: o Ministério Público, na vara de execução penal, aplicando-se a LEP.

• Caso o MP se mantenha inerte por mais de 90 dias após ser devidamente intimado: a Fazenda Pública irá executar, na vara de execuções fiscais, aplicando-se a Lei nº 6.830/80.

STF. Plenário. ADI 3150/DF, Rel. para acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 12 e 13/12/2018 (Info 927).

STF. Plenário. AP 470/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 12 e 13/12/2018 (Info 927).

 

Desse modo, se o Ministério Público ajuizou a execução da pena de multa, a sanção pecuniária deverá ser tratada como típica sanção criminal e executada conforme o procedimento descrito pelos arts. 164 e seguintes da LEP. Trata-se, portanto, de verdadeira execução penal (e não de mera execução fiscal).

O  fato de o valor da multa se enquadrar em autorização dada por lei para que se deixe de ajuizar execução fiscal - no caso, valor inferior a 1.200 UFESP's, previsto em lei estadual - ou o fato de o gasto com o processo superar o valor a ser cobrado, não impedem o prosseguimento da execução penal, cujo intuito não é o arrecadatório e, sim, especialmente, a prevenção de novos delitos.

 

Em suma:

A execução da pena de multa ajuizada pelo Ministério Público não pode ser extinta com base no fato de o valor da multa se enquadrar em autorização dada por lei para que se deixe de ajuizar execução fiscal ou no fato de o gasto com o processo superar o valor a ser cobrado. 

STJ. 5ª Turma. REsp 2.189.020-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 12/8/2025 (Info 858).


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