Dizer o Direito

sábado, 23 de agosto de 2025

Em ação de alimentos, pode o juiz autorizar a quebra de sigilo fiscal e bancário do pai devedor?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João e Marina eram casados e tiveram um filho (Lucas), de 2 anos de idade.

Eles se divorciaram.

João ajuizou uma ação de oferta de alimentos em favor de Lucas, oferecendo o pagamento mensal de R$ 5.000,00, equivalente a cerca de 15% de seus rendimentos declarados como diretor da Alfa Ltda, uma grande empresa de locação de veículos.

Lucas, representado por Marina, apresentou contestação, alegando que o valor era insuficiente para cobrir os gastos reais da criança. Ela incluiu no processo uma planilha detalhada, demonstrando despesas mensais em torno de R$ 10.000,00. Além disso, sustentou que João possuía condições financeiras muito superiores às que havia declarado, uma vez que é sócio da empresa, que possui um faturamento milionário.

Durante a fase de saneamento do processo, o juiz identificou que havia “fundada controvérsia” sobre a real capacidade financeira de João. Diante disso, deferiu pedido de Marina para realizar pesquisas junto aos sistemas:

·        Sisbajud: para obtenção de saldos, extratos bancários, aplicações financeiras e faturas de cartão de crédito do alimentante nos últimos 12 meses;

·        Renajud: para verificar veículos em nome de João;

·        Infojud: para acessar as duas últimas declarações de imposto de renda apresentadas por ele.

 

João se insurgiu contra essa decisão, argumentando que:

• seu sigilo bancário e fiscal são direitos fundamentais protegidos pela Constituição;

• sua capacidade financeira já estava comprovada nos autos através de documentos de rendimentos;

• a quebra de sigilo só pode ocorrer em situações excepcionais para apuração de ilícitos;

• o valor oferecido já era adequado para uma criança de 2 anos.

 

A discussão chegou até o STJ. A decisão do magistrado foi mantida? É possível deferir a quebra do sigilo fiscal e bancário do alimentante em ação de oferta alimentos, para aferir sua real capacidade de prestar alimentos ao filho menor?

SIM.

O direito ao sigilo fiscal e bancário não é absoluto. Ele pode ser relativizado quando estiver em jogo um direito fundamental ainda mais relevante, como o direito à alimentação de uma criança, que se vincula diretamente à sua dignidade, saúde e sobrevivência.

No caso concreto, havia indícios suficientes de que o alimentante, apesar de apresentar uma remuneração formal como diretor comercial da empresa, poderia ter acesso a rendimentos muito superiores por também ser sócio de pessoa jurídica de grande porte no ramo de locação de veículos. Esses indícios, somados à falta de meios mais eficazes para comprovar sua renda real, justificaram a adoção da medida excepcional de quebra de sigilo.

O processo de oferta de alimentos é informado com base no princípio do melhor interesse da criança. Assim, diante de um possível conflito entre o direito à privacidade do alimentante e o direito alimentar da criança, deve prevalecer o interesse da criança.

As providências determinadas pelo magistrado têm por objetivo garantir a correta aplicação do chamado binômio necessidade-possibilidade, isto é, avaliar de forma justa tanto as necessidades do alimentado quanto as reais possibilidades do alimentante.

 

Em suma:

É possível o deferimento da medida excepcional de quebra de sigilo fiscal e bancário em ação de alimentos quando não houver outro meio idôneo para apurar a real capacidade econômico-financeira do alimentante. 

STJ. 3ª Turma. REsp 2.126.879-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 18/3/2025 (Info 26 - Edição Extraordinária).


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