sábado, 2 de agosto de 2025
A realização de sessão de julgamento virtual assíncrona durante o recesso forense é nula, por violar o direito de defesa e a garantia de suspensão dos prazos processuais
Julgamento na modalidade virtual
assíncrona
Julgamento na modalidade virtual assíncrona é
uma forma de decisão colegiada em que os magistrados (no caso do TJ, os
Desembargadores) analisam e votam os processos em ambiente digital, sem a
necessidade de estarem conectados ao mesmo tempo.
Os votos são registrados individualmente em
uma plataforma eletrônica, dentro de um prazo previamente estabelecido, e não
em uma sessão presencial ou por videoconferência em tempo real.
Principais características
• Ambiente virtual: o julgamento ocorre em um
sistema eletrônico próprio do tribunal, acessível remotamente pelos julgadores,
advogados e partes.
• Assincronia: não há interação simultânea
entre os membros do colegiado. Cada julgador acessa o processo e insere seu
voto no sistema dentro do período da sessão virtual que dura alguns dias.
• Participação das partes: as partes podem
apresentar memoriais e sustentações orais em vídeo ou áudio, que ficam
disponíveis para consulta dos julgadores durante o período da sessão.
• Pedido de destaque: se algum membro do
colegiado, parte ou Ministério Público entender necessário, pode requerer que o
julgamento seja transferido para uma sessão presencial, desde que o pedido seja
feito antes do início da sessão virtual e aceito pelo relator.
• Celeridade: o modelo permite que um grande
número de processos seja julgado em menos tempo, contribuindo para a redução do
acervo processual dos tribunais
Recesso forense
O período de recesso forense, segundo o Código de Processo
Civil, é o intervalo anual compreendido entre 20 de dezembro e 20 de janeiro,
durante o qual ocorre a suspensão dos prazos processuais em todo o Poder
Judiciário brasileiro, conforme estabelece o art. 220 do CPC:
Art. 220. Suspende-se o curso do
prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro,
inclusive.
Vale ressaltar que “ressalvadas as férias
individuais e os feriados instituídos por lei, os juízes, os membros do
Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública e os
auxiliares da Justiça exercerão suas atribuições durante o período do recesso
forense” (§ 1º do art. 220 do CPC).
Durante o período de recesso
forense é permitida a realização de audiências e sessões de julgamento?
NÃO. Isso está expressamente previsto no § 2º do art. 22º do
CPC:
Art. 220 (…)
§ 2º Durante a suspensão do
prazo, não se realizarão audiências nem sessões de julgamento.
Feita essa revisão, imagine agora
a seguinte situação hipotética:
João ajuizou ação contra Pedro.
O juiz julgou os pedidos
improcedentes.
João interpôs apelação.
O Tribunal de Justiça de São
Paulo realizou o julgamento do recurso no formato virtual assíncrono. O
problema foi que esse julgamento ocorreu durante o recesso forense, ou seja, no
período entre 20 de dezembro e 20 de janeiro.
No julgamento, o TJSP manteve a
sentença.
João interpôs recurso especial
alegando que houve nulidade considerando que o julgamento da apelação ocorreu
entre 18 e 20 de janeiro (durante o recesso forense), período em que é vedada a
realização de audiências e sessões de julgamento, mesmo que virtuais.
João alegou que, por causa disso, seu advogado foi impedido
de apresentar memoriais e de enviar sua sustentação oral em tempo hábil, já
que, pela lei, os prazos e atos processuais deveriam estar suspensos nesse
período, conforme o art. 220, § 2º, do CPC:
Art. 220 (…)
§ 2º Durante a suspensão do
prazo, não se realizarão audiências nem sessões de julgamento.
O STJ deu provimento ao
recurso de João? O julgamento do TJSP foi anulado?
SIM.
Julgamento virtual
assíncrono
As necessidades do ambiente
jurídico contemporâneo conectadas à modernização dos sistemas processuais
eletrônicos resultaram no aprimoramento de tecnologias que viabilizaram a
realização de julgamentos em plataformas eletrônicas por meio dos chamados plenários
virtuais. Tal modalidade de julgamento, também denominada como assíncrona,
consiste em alternativa inescapável para a redução do acervo processual e para
a melhora na eficiência da prestação jurisdicional.
O Conselho Nacional de Justiça e
os tribunais estaduais e regionais passaram a regulamentar os procedimentos de
julgamento, especificando prazos e garantias ao pleno exercício dos direitos
das partes, a exemplo da Resolução nº 591 de 23/10/2024 CNJ.
A jurisprudência do STJ
assenta-se no sentido de que inexiste hierarquia entre as modalidades de
julgamento, presencial ou em ambiente virtual. Ambas se propõem a garantir
integralmente a ampla defesa e o contraditório, em absoluto respeito ao devido
processo legal, sem nenhuma violação dos arts. 934, 935, 936 e 937 do CPC.
Atualmente, nas Cortes
Superiores, ações e recursos de alta complexidade, a exemplo de recursos
especiais, recursos extraordinários e demandas de controle concentrado de
constitucionalidade, têm sido julgadas com o devido zelo e eficiência em
ambiente virtual, fato que evidencia como a variedade de ambientes de
julgamento com a utilização da tecnologia aliada às garantias processuais
favorece o desempenho da jurisdição. Desse modo, a objeção acerca da modalidade
eleita pelo relator, bem como o não deferimento de destaque aos recursos a fim
de possibilitar o exercício de sustentação oral em julgamento presencial, não
caracteriza cerceamento do direito de defesa da parte.
Desse modo, a modalidade de
julgamento assíncrono consiste em mecanismo tecnológico cuja funcionalidade não
afasta a participação das partes por meio de seus procuradores, do exercício de
seu direito de defesa, na medida em que as garantias processuais aplicáveis à
modalidade presencial devem ser observadas na via virtual.
Assim, a ordinária realização de
julgamento virtual e a negativa de realização de sustentação oral em julgamento
presencial não caracteriza cerceamento de defesa.
Impossibilidade de realização
de sessão julgamento no período do recesso forense
Conforme vimos acima, o § 2º do art. 220 do CPC proíbe a
realização de sessões de julgamento durante o recesso forense:
Art. 220. (…)
§ 2º Durante a suspensão do
prazo, não se realizarão audiências nem sessões de julgamento.
Cuida-se da concretização de
antiga reivindicação da classe dos advogados pela justa paralisação das suas
atividades durante o que se passou a denominar de recesso forense.
Portanto, independentemente de
haver ou não férias coletivas, o art. 220 prevê a suspensão do curso dos prazos
processuais, em toda a Justiça civil, no período compreendido entre os dias 20
de dezembro e 20 de janeiro.
Com efeito, durante o período de
recesso forense só é permitida a prática de atos que independem da atividade
dos advogados. Em consequência, no período de 20 de dezembro a 20 de janeiro, resta
vedada a realização de audiências e sessões de julgamento, conforme se
fez constar expressamente no § 2º do dispositivo.
Nesse sentido, a dicção da doutrina especializada:
“(…)
Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de
dezembro e 20 de janeiro, inclusive (art. 220).
Também
contempla exceção à regra geral. Trata o dispositivo das férias dos advogados.
No período de 20 de dezembro a 20 de janeiro todos os prazos processuais serão
suspensos, inclusive os que estiverem em curso nos processos mencionados nos
incs. I a III do art. 215. Nenhum prazo, pouco importa o juízo, terá seu curso
iniciado. Ressalte-se que a tramitação de processos e o curso de prazos não é
incompatível com férias de juízes. Porém, é absolutamente incompatível com
férias de advogados. Nesse período (20 de dezembro a 20 de janeiro) só
se pode praticar atos que independem dos advogados. Juízes podem prolatar
sentenças, mas os prazos para interposição de recursos não serão contados.
Escrivães podem até movimentar processos, mas a contagem de prazos não se
iniciará. Contudo, não se realizarão audiências nem sessões de julgamento,
porque indispensável a presença de advogados” (DONIZETTI, Elpídio. Curso
didático de direito processual civil. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2019, pág. 403
– grifou-se).
A modalidade do julgamento
assíncrono não retira do procurador a garantia de atuação, a exemplo do
encaminhamento de sustentação oral, apresentação de memoriais ao relator e aos
demais integrantes do colegiado, a prestação de esclarecimentos de fatos que
entenderem indispensáveis ao julgamento do recurso. Dessa maneira, iniciada a
rodada de julgamento, é oportunizado aos julgadores examinar os fundamentos
trazidos pelo relator a fim de decidir se estão assim convencidos, se pretendem
divergir, levando em consideração a atuação do procurador na defesa dos
interesses de seu cliente.
A observância da suspensão do
curso dos prazos processuais e a vedação de realização de audiência e sessões
de julgamento consiste em garantia das partes e seus procuradores para que, em
período limitado do ano, pré-estabelecido, quando ausente hipótese de urgência
ou excepcionalidade diante da natureza da ação, estejam desobrigadas da
vigilância constante necessária a boa atuação.
Voltando ao caso concreto
No caso dos autos, o julgamento
do recurso de modo assíncrono, em ambiente virtual, não gerou prejuízo à parte
em decorrência da modalidade em si, ainda que não atendido o pedido de
encaminhamento à pauta presencial. A nulidade configura-se, no entanto, no fato de o Tribunal
local não ter observado a suspensão dos prazos processuais e a vedação à
realização de sessões de julgamento no período de 20 (vinte) de dezembro a 20
(vinte) de janeiro.
A não observância da vedação
imposta pelo referido dispositivo legal evidencia manifesto prejuízo à parte
que perdeu a oportunidade de ver exercido o direito de defesa de seus
interesses em toda sua extensão, com possibilidade de envio de sustentação oral
para tal modalidade, esclarecimentos de questões de fato que poderiam ser
realizados durante a rodada de julgamento, apresentação de memorais a todos os
integrantes do colegiado, tudo isso sem perder a dinamicidade do julgamento
pela modalidade assíncrona.
Além disso, a realização da
sessão de julgamento em período no qual os profissionais estavam por lei
dispensados do exercício de sua atividade viola legítima expectativa criada,
especialmente porque a natureza da presente demanda, meramente patrimonial, não
denota nenhuma exceção a justificar eventual urgência do julgamento durante o
recesso forense. O prejuízo restou caracterizado com a impossibilidade do pleno
exercício de defesa, a exemplo do envio de memoriais em prazo hábil ou envio de
sustentação oral ao julgamento virtual, cabível no recurso de apelação, além do
próprio resultado desfavorável.
Em suma:
A realização de sessão de julgamento virtual
assíncrona durante o recesso forense é nula, por violar o direito de defesa e a
garantia de suspensão dos prazos processuais.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.125.599-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
3/6/2025 (Info 853).
