quinta-feira, 14 de agosto de 2025
O candidato que teve a prova oral em concurso público anulada e refeita, ao obter nota inferior àquela objeto da anulação, não tem direito à nota anteriormente atribuída, por se tratar de ato nulo, destituído de efeitos jurídicos
Imagine a seguinte situação hipotética:
João participou do concurso público para outorga de
delegação de serviços notariais e registrais (“cartório”).
O concurso previa várias etapas, dentre elas a Prova
Oral, composta por três “estações temáticas” (Estação A – “Direito Registral”,
Estação B – “Direito Civil e Empresarial” e Estação C – “Direito Tributário”).
Aprovado nas fases anteriores, o candidato, na fase oral,
sorteou o Ponto 7 da Estação Temática C, que versava sobre “Competência
tributária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
Contudo, ao ser arguida pelo examinador, ele foi
questionado de forma aprofundada sobre tema diverso, “Imposto sobre propriedade
territorial rural (ITR)”, conteúdo que seria relativo ao Ponto 8 (não
sorteado).
Ao final da arguição, João obteve nota 8,0 na Estação Temática
C da prova oral (Direito Tributário).
O candidato apresentou recurso administrativo alegando
que havia sido arguido sobre matéria estranha ao ponto sorteado. No recurso,
pediu a majoração de sua nota ou a anulação da prova oral.
O Conselho de Recursos Administrativos reconheceu a
ilegalidade cometida pelos examinadores e determinou a anulação da prova oral
de Direito Tributário, ordenando que João fosse submetido a uma nova arguição
sobre todo o grupo de matérias da Estação C.
Na nova arguição, João tirou 7 na prova oral da Estação C,
ou seja, obteve uma nota inferior à anterior.
Diante disso, João impetrou mandado de segurança pedindo
que:
• fosse atribuído a ele a pontuação máxima da prova oral
(10,0); ou,
• alternativamente, que fosse mantida a nota original
(8,0).
O STJ concordou com os argumentos de João?
NÃO.
Atos nulos não produzem efeitos
Como a própria Administração reconheceu que houve erro na
aplicação da primeira prova oral e expressamente anulou aquele ato, a nota
obtida naquela ocasião (8,0) não poderia mais subsistir ou produzir qualquer
efeito jurídico. Quando um ato administrativo é anulado, ele é considerado como
se nunca tivesse existido, não podendo gerar direitos ou vantagens para
ninguém. Portanto, mesmo que o candidato tenha obtido uma nota melhor na
primeira prova, essa nota perdeu completamente sua validade jurídica após a anulação.
Princípio da vinculação ao edital
O edital de concurso público funciona como uma “lei”
entre as partes, vinculando tanto a Administração quanto os candidatos às suas
regras.
No caso de João, o edital não previa especificamente o
que deveria acontecer com a pontuação quando uma prova oral fosse anulada. Como
não havia cláusula expressa determinando que o candidato deveria receber nota
máxima ou manter a nota anterior em casos de anulação por erro da banca, a
atribuição automática da pontuação máxima não constituía um direito objetivo do
candidato.
Princípio da isonomia
Conceder nota máxima a João, sem que ele tivesse
efetivamente respondido às questões corretas ou demonstrado conhecimento sobre
o tema adequado, colocaria os demais candidatos em situação de desigualdade.
Isso violaria o princípio constitucional da igualdade, que exige que todos os
candidatos sejam tratados da mesma forma e tenham as mesmas oportunidades de
demonstrar seus conhecimentos.
Princípio da separação de poderes
Não cabe ao Poder Judiciário estabelecer qual deveria ser
a pontuação adequada para uma questão de concurso. Determinar notas ou
critérios de correção é competência exclusiva da banca examinadora, e a
intervenção judicial nessa seara violaria a independência entre os poderes.
O Judiciário só pode intervir quando há flagrante
ilegalidade, mas não pode substituir a Administração na função de avaliar e
pontuar candidatos.
Em suma:
A Administração agiu corretamente ao reconhecer o erro e
oportunizar uma nova prova. O candidato teve a chance de refazer o exame em
condições regulares, sendo questionado sobre o tema correto. O fato de ter
obtido nota menor na segunda oportunidade não gera direito à manutenção da nota
anterior, pois esta havia sido obtida em procedimento viciado e posteriormente
anulado.
Embora tenha havido equívoco por parte dos examinadores
na primeira prova, a solução adotada pela Administração (anular o ato irregular
e proporcionar nova oportunidade) foi a medida adequada e proporcional.
O candidato não pode se beneficiar de um erro
administrativo para obter vantagem sobre os demais concorrentes, e a nota
obtida na segunda prova, realizada em condições regulares, deve prevalecer como
expressão legítima de seu desempenho no certame.
O candidato que teve a prova oral em concurso público
anulada e refeita, ao obter nota inferior àquela objeto da anulação, não tem
direito à nota anteriormente atribuída, por se tratar de ato nulo, destituído
de efeitos jurídicos.
STJ. 2ª
Turma. RMS 73.454-RS, Rel. Min. Afrânio Vilela, julgado em 26/3/2025 (Info 25 -
Edição Extraordinária).
