domingo, 3 de agosto de 2025
O Tema 1143 do STJ não se aplica para cigarros eletrônicos
É possível aplicar o princípio da
insignificância para o crime de contrabando envolvendo cigarro?
Até 1.000 maços:
Em regra, sim.
Não será possível se houver reiteração em
contrabando.
Acima de 1.000 maços: não.
O princípio da insignificância é aplicável ao crime de
contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar 1.000
(mil) maços, seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela
necessidade de se dar efetividade à repressão a o contrabando de vulto,
excetuada a hipótese de reiteração da conduta, circunstância apta a indicar
maior reprovabilidade e periculosidade social da ação.
STJ. 3ª Seção. REsp 1.971.993-SP e Resp 1.977.652-SP, Rel. Min.
Joel Ilan Paciornik, Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Junior, julgado em
13/9/2023 (Recurso Repetitivo – Tema 1143) (Info 787).
Imagine agora a seguinte situação
hipotética:
João, passageiro de um ônibus de turismo, foi abordado,
por Policiais Rodoviários Federais, na fronteira do Brasil com o Paraguai, na
posse de 80 unidades de cigarros eletrônicos, sem documentos que comprovassem
que houve uma importação regular das mercadorias.
Os cigarros eletrônicos foram encaminhados à Receita
Federal, onde foi lavrado auto de infração.
Os produtos contrabandeados foram avaliados em R$ 6 mil
e, de acordo com o Fisco, a importação irregular gerou a sonegação de R$
1.500,00 de Imposto de Importação (II) e Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI).
João foi denunciado pelo Ministério Público Federal acusado
da prática do crime de contrabando, previsto no art. 334-A, caput, do Código
Penal:
Art. 334-A. Importar ou exportar
mercadoria proibida:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5
(cinco) anos
O MPF explicou, na denúncia, que o transporte de cigarros
eletrônicos de origem estrangeira é proibido no país, conforme a Resolução
Colegiada RDC nº 46/2009, da ANVISA, tendo em vista a inexistência de dados
científicos que comprovem a eficiência, a eficácia e a segurança no uso e
manuseio de dispositivos eletrônicos para fumar.
Rejeição da denúncia
O Juiz Federal rejeitou a denúncia, por atipicidade da
conduta, em razão do princípio da insignificância penal, com fundamento no art.
395, III, do Código Processo Penal:
Art. 395. A denúncia ou queixa
será rejeitada quando:
(...)
III - faltar justa causa para o
exercício da ação penal.
O magistrado aplicou o entendimento do Tema 1143, acima
explicado.
Além disso, o valor dos tributos iludidos era inferior ao
limite de R$ 20.000,00 estipulado para ajuizamento de execução fiscal, sendo
esse outro motivo para se aplicar o princípio da insignificância.
Recurso do MPF
O Ministério Público recorreu argumentando que não se tem
conhecimento da extensão dos danos causados à saúde de quem consome cigarros
eletrônicos, os quais são reutilizáveis, podendo o mesmo dispositivo ser usado
diversas vezes e por longo período de tempo, mediante a substituição da
essência de vapor. Sendo assim, não seria possível aplicar o critério de 1.000
maços definido no Tema 1143.
Além disso, na excepcional aplicação do princípio da
insignificância no delito de contrabando (art. 334-A do CP) de cigarros, não se
questiona o valor dos tributos iludidos, sendo irrelevante o limite de R$
20.000,00 estipulado para ajuizamento de execução fiscal. Este parâmetro (R$ 20
mil) está relacionado com o crime de descaminho (art. 334 do CP).
O STJ concordou com os argumentos do Ministério
Público?
SIM.
O entendimento que levou o STJ a fixar a tese do Tema
Repetitivo 1143 levou em consideração dados estatísticos, em especial aqueles
relativos ao ano de 2022, demonstrando que as apreensões de cigarros de até
1.000 maços são insignificantes diante do volume total de maços apreendidos, de
maneira que a persecução penal nessas hipóteses seria ineficaz para a proteção
dos bens jurídicos tutelados, além de não ser razoável do ponto de vista de
política criminal e gestão de recursos.
Esse limite, contudo, não pode ser aplicado para os
cigarros eletrônicos, os quais não se consomem com o uso, podendo um mesmo
cigarro ser utilizado por diversos usuários e por período indeterminado,
aumentando de forma considerável o perigo à saúde pública, especialmente porque
tais produtos são de uso proibido no país.
O limite de R$ 20.000,00 é parâmetro pertinente ao crime
de descaminho (art. 334 do CP), não ao contrabando (art. 334-A do CP). Na
excepcional aplicação do princípio da insignificância no delito de contrabando
de cigarros, não se questiona o valor dos tributos iludidos, pois a conduta não
se limita à lesão da atividade arrecadatória do Estado, atingindo outros bens
jurídicos como saúde, segurança e moralidade pública.
Vale ressaltar, por fim, que a denúncia
apontou a habitualidade do réu considerando que já houve outras apreensões por
contrabando no período de 05 anos anterior ao fato.
Em suma:
1. O limite de 1.000 maços estabelecido no Tema
Repetitivo 1143 para a incidência do princípio da insignificância não se aplica
aos cigarros eletrônicos.
2. A excepcional aplicação do princípio da
insignificância no delito de contrabando de cigarros não leva em consideração o
valor dos tributos iludidos, parâmetro pertinente ao crime de descaminho.
3. A reiteração da conduta impede a aplicação do
princípio da insignificância.
STJ. 5ª
Turma. AgRg no REsp 2.184.785-PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em
14/4/2025 (Info 853).
