sexta-feira, 22 de agosto de 2025
Genitores têm direito à administração dos bens dos filhos menores, salvo justo motivo que justifique restrição
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Em 2020, quando Júlia tinha 11
anos, seu pai morreu em razão de um acidente de trânsito.
A empresa causadora do acidente
foi condenada a pagar uma indenização de R$ 100 mil em favor de Júlia.
Esse dinheiro ficou depositado em
uma conta judicial aberta em nome de Júlia.
Em 2022, com o aumento dos custos
escolares e a necessidade de realizar um tratamento odontológico ortodôntico,
Valéria, mãe de Júlia, pediu autorização judicial para levantar parte do valor
depositado, a fim de custear esses gastos em benefício da filha. Ela apresentou
orçamentos, declarações da escola e laudos médicos que indicavam a necessidade
e urgência das despesas.
O juiz, contudo, negou pedido,
afirmando que Valéria não havia comprovado “necessidade extrema ou urgência”, e
determinou que os valores continuassem bloqueados até que Júlia atingisse a
maioridade.
O Tribunal de Justiça manteve a
sentença.
Inconformada, Valéria,
representando Júlia, interpôs recurso especial ao STJ.
A questão chegou ao STJ.
Foi correta a decisão do juiz e do TJ de manter os valores bloqueados em conta
judicial até a maioridade de Júlia?
NÃO.
O art. 1.689, II, do Código Civil, estabelece que o
exercício do poder familiar confere aos genitores a administração dos bens dos
filhos menores:
Art. 1.689. O pai e a mãe,
enquanto no exercício do poder familiar:
I - são usufrutuários dos bens
dos filhos;
(...)
Esta é uma prerrogativa legal dos
pais, não uma concessão que depende de autorização judicial prévia.
Essa administração é um direito
potestativo conferido pela lei civil aos genitores, ou seja, um direito que
pode ser exercido independentemente da vontade de terceiros, incluindo o
Estado-juiz.
Para restringir esse direito
fundamental dos pais, é necessário que exista um justo motivo concreto. No caso
analisado, não havia nos autos qualquer elemento que justificasse tal
restrição. Não existia conflito de interesses entre a menor e sua mãe, nem
discussões sobre a correção ou regularidade do exercício do poder familiar,
seja sob o aspecto econômico ou moral. A ausência desses elementos tornava
injustificável a limitação imposta pelos juízos inferiores.
O STJ não concordou com o
argumento do juiz e do TJ no sentido de que a genitora deveria ter comprovado “necessidade
ou urgência” para utilizar os valores. Segundo o STJ, essa exigência inverte a
lógica legal, pois transforma um direito dos pais em uma exceção que precisa
ser justificada. A lei não exige que os pais demonstrem previamente como irão
utilizar os recursos dos filhos menores. Essa administração é presumidamente
exercida no melhor interesse da criança, salvo prova em contrário.
Nesse sentido:
Salvo justo motivo concretamente verificado, a negativa de
levantamento de valores depositados judicialmente, a título de indenização
securitária devida a menor impúbere representada por sua genitora, ofende o
art. 1.689, I e II, do CC/2002, especialmente quando a movimentação busca
assegurar alimentação, educação e desenvolvimento da criança, em atenção à
prioridade absoluta prevista no art. 227 da CF/88.
Inexistindo conflito de interesses entre a menor e sua genitora,
nem indícios de exercício indevido do poder familiar, não há motivo plausível
para impedir que a mãe, titular do poder familiar, disponha dos valores
destinados à menor.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.702.017/SP, Rel. Min. Marco
Buzzi, julgado em 31/5/2021.
A negativa de levantamento dos
valores, sem motivo justificado, pode até mesmo prejudicar o patrimônio da
adolescente. Manter recursos depositados em conta judicial, que geralmente
rende apenas correção monetária básica, pode ser menos vantajoso do que
permitir que os pais façam uma gestão adequada desses recursos, investindo-os
de forma mais rentável ou utilizando-os para necessidades educacionais, médicas
ou de desenvolvimento da criança. Sobre o tema:
Os pais, como administradores e usufrutuários dos bens dos
filhos menores, têm legitimidade para levantar valores depositados
judicialmente em nome destes, salvo justo motivo.
No caso concreto, a liberação dos valores em conta-poupança
configura melhor investimento social do que sua manutenção, tendo em vista a
destinação voltada à subsistência, educação e melhor interesse dos herdeiros
menores.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.828.125/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, julgado em 16/5/2023.
Em suma:
A negativa de levantamento de valores depositados em
juízo, sem justo motivo, ofende o direito dos genitores de administrar os bens
dos filhos menores.
STJ. 4ª
Turma. REsp 2.164.601-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
14/4/2025 (Info 26 - Edição Extraordinária).
