quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Na análise do cabimento da prisão preventiva de pessoas em situação de rua, além dos requisitos previstos no CPP, o magistrado deve observar as recomendações da Resolução CNJ 425/2021

 

Imagine a seguinte situação adaptada:

João foi preso em flagrante delito pela prática do crime de dano ao patrimônio público (art. 163, III, do Código Penal) porque arremessou uma pedra na janela do edifício do Tribunal Regional do Trabalho, ocasionando-lhe o trincamento:

Art. 163 (...)

Parágrafo único - Se o crime é cometido:

III - contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos; (Redação dada pela Lei nº 13.531, de 2017)

 

O juiz concedeu a liberdade provisória afirmando que não havia elementos suficientes e plausíveis para a decretação da custódia cautelar. No entanto, o magistrado fixou medidas cautelares diversas da prisão:

a)       proibição de João se ausentar do Município por mais de dez dias sem comunicar a justiça;

b)      proibição de alterar seu endereço sem comunicação prévia ao Juízo; e

c)       recolhimento noturno em albergue municipal ou outro ponto de acolhida, informando o Juízo de seu endereço.

 

A pedido do MPF, foi instaurado incidente de insanidade mental.

João não foi localizado para ser conduzido ao exame médico pericial.

O MPF ofereceu denúncia e requereu a prisão preventiva considerando que foram descumpridas as medidas cautelares anteriormente impostas.

A denúncia foi recebida, tendo sido decretada a prisão preventiva.

O mandado de prisão foi cumprido.

A defesa impetrou habeas corpus alegando a ausência de motivação idônea para manutenção da prisão preventiva do acusado.  Afirmou que o fato de o acusado estar em situação de rua não autoriza a sua manutenção no cárcere. Aduziu que a custódia é desproporcional à gravidade do delito, porquanto a conduta em tese imputada ao réu tem como pena máxima cominada 3 anos de detenção.

 

O STJ concordou com o pedido da defesa?

SIM.

O Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 425/2021, que instituiu, no âmbito do Poder Judiciário, a Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua e suas interseccionalidades.

No que tange às medidas em procedimentos criminais, no art. 18, recomenda-se especial atenção às demandas das pessoas em situação de rua, com vistas a assegurar a inclusão social delas, observando-se a principiologia e as medidas de proteção de direitos previstas na resolução.

Assim, na análise do cabimento da prisão preventiva de pessoas em situação de rua, além dos requisitos legais previstos no Código de Processo Penal, o magistrado deve observar as recomendações constantes da Resolução Nº 425 do CNJ, e, caso sejam fixadas medidas cautelares alternativas, aquela que melhor se adequa a realidade da pessoa em situação de rua, em especial quanto à sua hipossuficiência, hipervulnerabilidade, proporcionalidade da medida diante do contexto e trajetória de vida, além das possibilidades de cumprimento.

Tal como na prisão, para a fixação de medidas cautelares diversas, previstas no art. 319 do CPP, é preciso fundamentação específica (concreta), a fim de demonstrar a necessidade e a adequação da medida restritiva da liberdade aos fins a que se destina, consoante previsão do art. 282 do CPP.

Nesse sentido, a jurisprudência do STJ não admite restrição à liberdade do agente sem a devida fundamentação concreta que indique a necessidade da custódia cautelar, sob pena de a medida perder a sua natureza excepcional e se transformar em mera resposta punitiva antecipada.

Embora haja afirmado categoricamente a inexistência de elementos suficientes e plausíveis para a decretação da custódia cautelar, o Juiz de primeiro grau, na decisão que homologou o flagrante do acusado e concedeu a liberdade provisória, fixou medidas cautelares de proibição de se ausentar da Subseção Judiciária, por mais de dez dias, ou alteração de endereço sem comunicação prévia ao Juízo, e recolhimento noturno em albergue municipal ou outro ponto de acolhida, informando o Juízo de seu endereço. Desse modo, as referidas medidas restritivas foram fixadas tão somente com base na existência da materialidade delitiva e dos indícios de autoria, sem que fosse demonstrada a cautelaridade necessária a qualquer providência desta ordem.

Além disso, a fixação da medida de recolhimento noturno em albergue municipal constituiu verdadeiro acolhimento compulsório do acusado, sem que houvesse justificativa para a medida em cotejo com o crime imputado ao paciente (dano qualificado praticado durante o dia) e sem que fosse observada a diretriz de possibilidade real de cumprimento, dada a condição de pessoa em situação de rua do agente.

A questão referente a pessoas em situação de rua é complexa, demanda atuação conjunta e intersetorial, e o cárcere, em situações como a que se apresenta nos autos, não se mostra como solução adequada. Cabe aos membros do Poder Judiciário, ainda que atuantes somente no âmbito criminal, um olhar atento a questões sociais atinentes aos réus em situação de rua, com vistas à adoção de medidas pautadas sempre no princípio da legalidade, mas sem reforçar a invisibilidade desse grupo populacional.

 

Em suma:

 

 

 

 

 


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