quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

A habitação em prédio abandonado de escola municipal pode caracterizar o conceito de domicílio em que incide a proteção disposta no art. 5º, XI da Constituição

 

Inviolabilidade de domicílio

A CF/88 prevê, em seu art. 5º, a seguinte garantia:

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

 

A inviolabilidade do domicílio é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo.

 

Entendendo o inciso XI:

Só se pode entrar na casa de alguém sem o consentimento do morador nas seguintes hipóteses:

Durante o DIA

Durante a NOITE

• Em caso de flagrante delito;

• Em caso de desastre;

• Para prestar socorro;

• Para cumprir determinação judicial (ex: busca e apreensão; cumprimento de prisão preventiva).

• Em caso de flagrante delito;

• Em caso de desastre;

• Para prestar socorro.

 

 

Assim, guarde isso: não se pode invadir a casa de alguém durante a noite para cumprir ordem judicial.

 

O que é considerado "dia"?

Não há uma unanimidade.

Há os que defendem o critério físico-astronômico, ou seja, dia é o período de tempo que fica entre o crepúsculo e a aurora.

Outros sustentam um critério cronológico: dia vai das 6h às 18h.

Existem, ainda, os que sustentam aplicar o parâmetro previsto no CPC, que fala que os atos processuais serão realizados em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas.

O mais seguro é só cumprir a determinação judicial após as 6h e até as 18h.

 

O que se entender por “casa”?

O conceito é amplo e abrange:

a) a casa, incluindo toda a sua estrutura, como o quintal, a garagem, o porão, a quadra etc.

b) os compartimentos de natureza profissional, desde que fechado o acesso ao público em geral, como escritórios, gabinetes, consultórios etc.

c) os aposentos de habitação coletiva, ainda que de ocupação temporária, como quartos de hotel, motel, pensão, pousada etc.

 

Veículo é considerado casa?

Em regra, não. Assim, o veículo, em regra, pode ser examinado mesmo sem mandado judicial.

Exceção: quando o veículo é utilizado para a habitação do indivíduo, como ocorre com trailers, cabines de caminhão, barcos etc.

 

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

Os policiais militares estavam fazendo um ronda nas ruas do bairro. Eles então avistaram João, dentro do prédio de uma escola pública municipal abandonada, com uma espingarda e um pó branco, que aparentava ser cocaína.

Os policiais entraram no local e prenderam João.

Posteriormente, confirmou-se se tratar de cocaína.

João foi denunciado por tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006) e por posse ilegal de arma de fogo (art. 12 da Lei nº 10.826/2003).

A Defensoria Pública, fazendo a assistência jurídica do réu, impetrou habeas corpus argumentando que:

- essa escola abandonada era a residência de João, local onde morava com sua esposa e filha;

- sendo a casa de João, estava protegida pela garantia do art. 5º, XI, da Constituição Federal;

- como os policiais vasculharam a residência do réu sem estarem autorizados por mandado judicial toda prova obtida deve ser considerada ilícita.

 

Primeira pergunta: esse prédio abandonado da escola municipal pode ser considerado casa, para os fins do art. 5º, XI, da Constituição Federal?

SIM.

O Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, que instituiu a Política Nacional para População em Situação de Rua, assim consigna:

Art. 1º Fica instituída a Política Nacional para a População em Situação de Rua, a ser implementada de acordo com os princípios, diretrizes e objetivos previstos neste Decreto.

Parágrafo único. Para fins deste Decreto, considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.

 

Desse modo, o prédio abandonado da escola pública por estar servindo como espaço de moradia para João, deve receber a proteção constitucional do art. 5º, XI, da CF/88, não sendo permitida a busca não autorizada, em homenagem à máxima efetividade das normas constitucionais.

 

 

Isso significa que a atuação dos policiais foi ilegal e que as provas colhidas são nulas?

NÃO.

O prédio abandonado estava em situação precária e, a partir da área externa, era possível ver o interior da escola, razão pela qual os policiais avistaram João armado e com a droga.

Desse modo, os policiais, da parte de fora da “casa”, viram que em seu interior estava sendo praticado um crime.

Logo, como João estava em flagrante delito, era permitido o ingresso dos policiais no local mesmo sem autorização do morador e independentemente de ordem judicial.

Diante disso, o STJ não conheceu do habeas corpus.

 

DOD Plus – compare com esse outro julgado

Falta de mandado não invalida busca e apreensão em apartamento desabitado

Não há nulidade na busca e apreensão efetuada por policiais, sem prévio mandado judicial, em apartamento que não revela sinais de habitação, nem mesmo de forma transitória ou eventual, se a aparente ausência de residentes no local se alia à fundada suspeita de que o imóvel é utilizado para a prática de crime permanente.

STJ. 5ª Turma HC 588445-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 25/08/2020 (Info 678).

 


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