terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Se a casa ainda está em construção, ela já pode ser considerada bem de família para fins de impenhorabilidade?

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João mora em um apartamento alugado. Ele economizou dinheiro e conseguiu comprar um terreno. Ali iniciou a construção de uma casa para morar com a sua família.

Ocorre que João tinha uma dívida antiga com o banco, que estava sendo cobrada em execução.

O juiz do processo de execução, a pedido do banco, determinou a penhora do terreno onde está sendo construída a casa.

João ingressou com exceção de pré-executividade alegando que esse imóvel é bem de família, sendo, portanto, impenhorável.

O juiz rejeitou o pedido argumentando que a Lei nº 8.009/90 protege a única residência do devedor, destinada à sua moradia ou de seus familiares, não abrangendo imóveis em construção:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

(...)

Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

 

A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça.

 

Agiu corretamente o magistrado?

NÃO.

As instâncias de origem (Juiz e TJ) entenderam que uma das condições ou requisitos para a proteção legal conferida pela Lei nº 8.009/90 seria a efetiva fixação de residência no imóvel, o que, no momento, não se afiguraria possível por estar a unidade habitacional em fase de construção. Desse modo, foi adotada uma interpretação literal e restritiva dos arts. 1º e 5º da Lei nº 8.009/90.

Não agiram, contudo, corretamente.

Se já há edificação para fins de moradia em curso, a interpretação que melhor atende ao escopo da Lei nº 8.009/90 é a de que esse imóvel já goza da impenhorabilidade como bem de família, desde que, obviamente, seja o único bem de propriedade do devedor e não esteja presente nenhuma das exceções que autorizam a penhora (arts. 3º e 4º da Lei).

Assim, a obra inacabada já se presume como residência e deve ser protegida. Para fins de proteção do bem de família, deve-se adotar uma interpretação finalística e valorativa da Lei nº 8.009/90, uma interpretação que leve em consideração o contexto sociocultural e econômico do País.

Diante disso, o imóvel adquirido para o escopo de moradia futura, ainda que não esteja a unidade habitacional pronta - por estar em etapa preliminar de obra, sem condições para qualquer cidadão nela residir -, fica excluído da constrição judicial, uma vez que a situação econômico-financeira vivenciada por boa parte da população brasileira evidencia que a etapa de construção imobiliária, muitas vezes, leva anos de árduo esforço e constante trabalho para a sua concretização, para fins residenciais próprios ou para obtenção de frutos civis voltados à subsistência e moradia em imóvel locado.

 

Não confundir:

• exceções ao bem de família (arts. 3º e 4º da Lei): devem ser interpretadas restritivamente, sendo vedado ao julgador criar hipóteses de limitação da impenhorabilidade do bem de família, isto é, dos direitos fundamentais que regem a matéria;

• conceito de bem de família: deve-se adotar uma interpretação finalística e valorativa.

 

Em suma:

 


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