sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Se os parentes vivos do investigado se recusaram a fazer DNA e o juiz entendeu que os demais elementos de prova não eram suficientes ainda para a procedência, é possível determinar a exumação do falecido

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Pedro, viúvo, faleceu e deixou apenas dois filhos registrados: Tiago e Ricardo, únicos herdeiros.

Depois do falecimento, a mãe de Carlos lhe contou que Pedro era seu pai e que ele nunca aceitou registrá-lo como filho.

Carlos ajuizou ação de investigação de paternidade post mortem contra Tiago e Ricardo pedindo para ser reconhecido como filho de Pedro.

O juiz designou data para que Carlos, Tiago e Ricardo fornecessem material genético a fim de que fosse feito o exame de DNA.

Ocorre que, no dia marcado, somente Carlos compareceu. Tiago e Ricardo se recusaram a ir.

 

Nesse caso, o juiz pode determinar a condução coercitiva de Tiago e Ricardo para realizar o exame?

NÃO. Não é possível a condução coercitiva do investigado ou de seus sucessores para a coleta do material genético necessário ao exame de DNA, por se tratar de medida sub-rogatória que viola a liberdade de locomoção. Nesse sentido:

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal repudia a determinação compulsória ou condução coercitiva ao fornecimento de material genético.

STF. 1ª Turma. RHC 95183, Rel. Cármen Lúcia, julgado em 09/12/2008.

 

O que acontece, então, nessas situações? Qual é uma das soluções possíveis, autorizadas pelo ordenamento jurídico?

O juiz poderá decidir com base em uma presunção relativa de que o réu, que se recusou a fazer o DNA, é realmente o pai do autor. O STJ editou uma súmula espelhando essa conclusão:

Súmula 301-STJ: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.

 

Essa solução jurídica encontra-se prevista no art. 231 do Código Civil e no § 1º do art. 2º-A da Lei nº 8.560/92:

CC/2002

Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.

 

Lei nº 8.560/92

Art. 2º-A. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos.

 § 1º A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.

(...)

 

Mas no nosso exemplo, quem se recusou foram os descendentes do suposto pai... mesmo assim, em tese, seria possível aplicar a Súmula 301 do STJ? Se quem recusa fornecer o material genético é o sucessor do suposto pai, será possível aplicar a presunção de que trata a Súmula 301 do STJ?

SIM. A Súmula 301 do STJ também se aplica para a situação na qual o sucessor do suposto pai (já falecido) se recusa a fazer o DNA. Assim, em tese, diante da recusa de Tiago e Ricardo, o juiz poderia aplicar a presunção da Súmula 301 do STJ. Esse é o entendimento consolidado do STJ há alguns anos:

A presunção de paternidade reconhecida no enunciado nº 301/STJ não se limita à pessoa do investigado, alcançando, do mesmo modo, os réus (familiares) que a ela se contrapõem, negando-se à realização de exame que poderia trazer definitivas luzes acerca da controvérsia.

STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1492432/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 25/04/2017.

 

Inexistindo a prova pericial capaz de propiciar certeza quase absoluta do vínculo de parentesco (exame de impressões do DNA), diante da recusa dos avós e dos irmãos paternos do investigado em submeter-se ao referido exame, comprova-se a paternidade mediante a análise dos indícios e presunções existentes nos autos, observada a presunção juris tantum, nos termos da Súmula 301/STJ.

STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1651067/RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/02/2020.

 

A recusa imotivada da parte investigada em se submeter ao exame de DNA, no caso, os sucessores do autor da herança, gera a presunção iuris tantum de paternidade à luz da literalidade da Súmula nº 301/STJ.

STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1260418/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/04/2020.

 

Lei nº 14.138/2021

Como ainda havia certa resistência de alguns em se aplicar o entendimento acima explicado, o legislador, recentemente, publicou a Lei nº 14.138/2021, que acrescentou o §2º ao art. 2º-A, da Lei nº 8.560/92, possibilitando a realização do exame de DNA nos parentes do falecido, gerando a sua recusa a presunção relativa do vínculo biológico, a ser apreciada em conjunto com outras provas.

Veja a redação do dispositivo inserido:

Art. 2º-A (...)

§ 2º Se o suposto pai houver falecido ou não existir notícia de seu paradeiro, o juiz determinará, a expensas do autor da ação, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes consanguíneos, preferindo-se os de grau mais próximo aos mais distantes, importando a recusa em presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.

 

Presunção relativa

Importante registrar que a presunção decorrente da recusa é relativa e, portanto, deverá ser apreciada em conjunto com as demais provas produzidas no processo.

Assim, é possível, em tese, que, mesmo com a recusa e a presunção firmada, o juiz julgue o pedido improcedente, se o restante do conjunto probatório refutar a presunção e indicar que as alegações do autor não são verdadeiras.

Também é possível, em tese, que, mesmo com a recusa e a presunção firmada, o juiz entenda que ainda é necessária a produção de outras provas e determine a sua realização. É isso que você vai ver neste julgado. Para isso, vou retomar o caso concreto que estava explicando.

 

Voltando ao caso concreto acima iniciado:

Tiago e Ricardo se recusaram a fornecer o material para o exame de DNA.

O juiz, contudo, afirmou que a recusa dos parentes vivos do investigado, apesar de constituir importante indício da filiação alegada, não poderia, no caso concreto, ter valor absoluto porque ele ainda não estava totalmente convencido com as demais provas dos autos.

Diante disso, o magistrado determinou a realização de exumação dos restos mortais de João para subsidiar o exame de DNA.

Tiago e Ricardo se insurgiram contra essa decisão.

 

Em uma situação análoga a essa, o STJ manteve a decisão do juiz?

SIM.

É possível a determinação de exumação cadavérica para fins de realização de exame de DNA. O STJ considera que essa providência probatória encontra-se inserida no âmbito das faculdades instrutórias do juiz, nos termos do art. 370, do CPC/2015:

Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

 

Busca da verdade real

Efetivamente, em se tratando de investigação de paternidade, demanda em que estão em discussão direitos personalíssimos indisponíveis, o processo deve pautar-se pela busca da verdade real, possibilitando aos investigantes a maior amplitude probatória possível.

Conforme já proclamou o STJ:

A ação de investigação de paternidade ajuizada pelo pretenso filho contra o suposto pai é manifestação concreta dos direitos à filiação, à identidade genética e à busca da ancestralidade, que compõem uma parcela muito significativa dos direitos da personalidade, que, sabidamente, são inalienáveis, vitalícios, intransmissíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, imprescritíveis e oponíveis erga omnes.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.893.978/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 29/11/2021.

 

Em ação de paternidade, o juiz tem um papel ativo na produção das provas

Em ação de investigação de paternidade, impõe-se um papel ativo ao julgador, que não deve medir esforços para determinar a produção de provas na busca da verdade real, porquanto a pretensão fundamenta-se no direito personalíssimo, indisponível e imprescritível de conhecimento do estado biológico de filiação, consubstanciado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (STJ. 4ª Turma. EDcl no AgInt nos EDcl no REsp 1.629.844/MT, Rel. Min. Lázaro Guimarães, DJe 25/05/2018).

 

São admitidos todos os meios legais e moralmente legítimos

O direito à identidade genética, vale dizer, é atributo da personalidade da pessoa, direito fundamental do indivíduo. Nessa perspectiva, é absolutamente lícito ao pretenso filho perseguir a elucidação da sua parentalidade lançando mão de “todos os meios legais e moralmente legítimos” para provar a verdade dos fatos, conforme estatuído no caput do art. 2º-A, da Lei nº 8.560/92 (Lei da Ação de Investigação de Paternidade).

 

Juiz entendeu que, no caso concreto, o regime de presunção legal seria insuficiente para resolver a controvérsia

A realização ou não da prova de DNA é um ônus probatório do demandado na ação investigatória de paternidade e não um dever. No entanto, o dinamismo que se atribui ao ônus da prova, denominado como “carga dinâmica”, corrobora a imputação do ônus àquele que, facilmente, possui condições de comprovar as suas teses, sob pena de, com base no art. 373 do CPC/2015, em não o fazendo, ver a pretensão julgada contra si.

Desse modo, seria, em tese, cabível aqui a Súmula 301 do STJ e o §2º ao art. 2º-A, da Lei nº 8.560/92.

No entanto, conforme ponderou o magistrado na decisão impugnada, os elementos de prova constantes dos autos seriam insuficientes para aferir com a certeza necessária o vínculo paterno-filial, circunstância que justifica o excepcional deferimento da prova pericial requerida, qual seja, a exumação cadavérica.

Com efeito, o contexto processual do caso, a primazia da busca da verdade biológica, as tentativas frustradas de realizar-se exame de DNA em parentes vivos do investigado, ante a recusa destes, apesar de constituir o meio menos gravoso para a solução da controvérsia, bem como a completa impossibilidade de esclarecimento e de elucidação dos fatos submetidos a julgamento por intermédio de outros meios de prova, justifica plenamente o exame exumatório determinado.

 

Em suma:

 

DOD Dica

Dica para você que advoga na área de família. Quando ajuizar ação de investigação de paternidade post mortem, formule, como pedido subsidiário de produção de prova, a exumação dos restos mortais do investigado para a realização do DNA. Isso porque se os herdeiros se recusarem a fornecer o material genético e o juiz entender que o conjunto probatório é desfavorável à procedência, você ainda terá uma alternativa, qual seja, a exumação.

 


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