segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Se a tese adotada pelos jurados for plausível, ainda que frágil e questionável, a decisão deve ser mantida, sobretudo porque os jurados julgam segundo sua íntima convicção

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi denunciado por tentativa de homicídio.

O réu foi pronunciado e levado a julgamento.

O Tribunal do Júri desclassificou o homicídio tentado para o crime de lesões corporais (art. 129 do CP).

O Promotor de Justiça interpôs apelação afirmando que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos. Essa hipótese de cabimento é prevista no art. 593, III, “d”, do CPP:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:

(...)

III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:

(...)

d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.

 

O Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso para determinar a realização de novo Júri, conforme preconiza o § 3º do art. 593 do CPP:

Art. 593 (...)

§ 3º Se a apelação se fundar no nº III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação.

 

A defesa impetrou habeas corpus contra o acórdão do TJ alegando que não se pode falar que a decisão dos jurados está manifestamente contrária à prova dos autos. Existiram duas teses: uma de acusação e outra defensiva. Os jurados analisaram os fatos e os argumentos e optaram pela tese defensiva. Logo, não poderia o Tribunal de Justiça substituir a decisão dos jurados considerando que ela não foi teratológica.

 

O STJ concordou com os argumentos da defesa?

SIM.

O art. 593, III, “d”, do CPP deve ser interpretado de forma estrita. Isso porque o art. 5º, XXXVIII, da CF/88, assegura a soberania dos veredictos. Assim, só se admite a rescisão do veredicto popular quando ele tiver sido proferido ao arrepio de todo material probatório produzido durante a instrução processual penal.

Se existir outra tese plausível, ainda que frágil e questionável, e os jurados optarem por ela, a decisão deve ser mantida, sobretudo considerando que os jurados julgam segundo sua íntima convicção, sem a necessidade de fundamentar seus votos. Os jurados são livres na valoração das provas.

Não é possível questionar a interpretação dada aos acontecimentos pelo Conselho de Sentença, salvo quando ausente elemento probatório que a corrobore.

Portanto, conforme a doutrina, o “ideal é anular o julgamento, em juízo rescisório, determinando a realização de outro, quando efetivamente o Conselho de Sentença equivocou-se, adotando tese integralmente incompatível com as provas dos autos. Não cabe anulação quando os jurados optam por umas das correntes de interpretação da prova possíveis de surgir” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1.237).

No caso em tela, o Tribunal de Justiça entendeu que a decisão do Conselho de sentença seria manifestamente contrária à prova dos autos, determinando a realização de novo julgamento.

Contudo, o STJ notou que a decisão dos jurados não foi manifestamente contrária à prova dos autos, uma vez que foi consignado no acórdão o debate da tese defensiva no Conselho de Sentença.

 

Em suma:

O art. 563, inciso III, alínea “d”, do CPP deve ser interpretado de forma estrita, permitindo a rescisão do veredicto popular somente quando a conclusão alcançada pelos jurados seja teratológica, completamente divorciada do conjunto probatório constante do processo.

STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 482.056-SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 02/08/2022 (Info 752).

 


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