sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

É possível cumular pedidos de prisão e de penhora na mesma execução de alimentos

 

Execução de alimentos

Existem dois regimes de cumprimento da decisão que determina o pagamento de alimentos:

a) rito da prisão civil;

b) rito comum.

 

a) Rito da prisão civil:

Previsto no caput e nos §§ 1º a 7º do art. 528 do CPC.

O juiz, a requerimento do exequente, manda intimar o executado pessoalmente para, em 3 dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial, decretará a prisão civil do devedor pelo prazo de 1 a 3 meses.

A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns.

O cumprimento da pena não exime o executado do pagamento das prestações vencidas e vincendas.

Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.

 

b) Rito comum:

Trata-se do cumprimento de sentença no qual se buscará bens do devedor que possam ser utilizados para satisfação da dívida. É como se fosse a execução de uma dívida comum.

Esse rito é adotado em duas situações:

1) quando o próprio credor escolher esse rito, renunciando à possibilidade de pedir a prisão civil:

Art. 528 (...)

§ 8º O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação.

 

2) quando o débito alimentar se referir a prestações vencidas há mais de 3 meses. Isso porque somente se pode pedir a prisão civil de prestações alimentícias vencidas há menos de 3 meses:

Art. 528 (...)

§ 7º O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.

 

Súmula 309-STJ: O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.

 

É possível a cumulação dos procedimentos de execução de alimentos?

SIM. É a posição atual do STJ:

Na cobrança de obrigação alimentar, é cabível a cumulação das medidas executivas de coerção pessoal e de expropriação no âmbito do mesmo procedimento executivo, desde que não haja prejuízo ao devedor nem ocorra qualquer tumulto processual.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.930.593/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 9/8/2022 (Info 744).

 

É admissível a cumulação, em um mesmo processo, de cumprimento de sentença de obrigação de pagar alimentos atuais, sob a técnica da prisão civil, e alimentos pretéritos, sob a técnica da penhora e da expropriação.

STJ. 3ª Turma. REsp 2.004.516/RO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/10/2022 (Info 756).

 

Para a cobrança das três últimas parcelas: é possível a técnica da prisão civil

Em se tratando de cumprimento de sentença condenatória ao pagamento dos alimentos no qual se pleiteiam as três últimas parcelas antes do requerimento e as que se vencerem no curso dessa fase procedimental, é lícito ao credor optar pela cobrança mediante a adoção da técnica da prisão civil ou da técnica da penhora e expropriação.

 

Para a cobrança das parcelas vencidas há mais tempo: só é possível a técnica de penhora

Em relação às parcelas vencidas mais de três meses antes do requerimento, contudo, essa fase procedimental se desenvolverá, necessariamente, mediante a adoção da técnica de penhora e expropriação.

 

Tradicionalmente, defendia-se que haveria uma incompatibilidade entre as técnicas

A existência de uma suposta incompatibilidade procedimental era usualmente apontada como óbice à possibilidade de cobrança de débitos alimentares pretéritos e atuais no mesmo processo.

Fundamentos que sustentariam essa incompatibilidade:

a)       haveria ofensa ao art. 780 do CPC/2015, que exigiria identidade procedimental como condição para a cumulação de execuções;

b)      o art. 531, § 2º, do CPC/2015, apenas diria respeito ao sincretismo processual, mas não autorizaria a cumulação dos ritos que seriam substancialmente diferentes;

c)       o art. 528, § 8º, do CPC/2015, indicaria que o cumprimento de sentença sob a técnica da penhora e expropriação, ao impedir a prisão civil, também imporia a cisão procedimental; e

d)      haveria risco de tumulto processual e prejuízos à celeridade.

 

Não há regra que proíbe nem que autorize expressamente a cumulação das técnicas em um só processo

O STJ afirmou que, na legislação processual em vigor, não há regra que proíba, mas também não há regra que autorize o cumprimento das obrigações alimentares pretéritas e atuais de modo conjunto e no mesmo processo.

O art. 531, § 2º, do CPC/2015, que trata especificamente do cumprimento da sentença condenatória ao pagamento de alimentos, estabelece que o cumprimento definitivo ocorrerá no mesmo processo em que proferida a sentença e não faz nenhuma distinção a respeito da atualidade ou não do débito, de modo que essa é a regra mais adequada para suprir a lacuna do legislador no trato da questão controvertida:

Art. 531. O disposto neste Capítulo aplica-se aos alimentos definitivos ou provisórios.

(...)

§ 2º O cumprimento definitivo da obrigação de prestar alimentos será processado nos mesmos autos em que tenha sido proferida a sentença.

 

Art. 780 do CPC

O art. 780 do CPC prevê o seguinte:

Art. 780. O exequente pode cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, quando o executado for o mesmo e desde que para todas elas seja competente o mesmo juízo e idêntico o procedimento.

 

Esse dispositivo não é um impedimento à possibilidade de cobrança, no mesmo processo, de dívidas alimentares que se submetem a técnicas diferentes.

Em primeiro lugar, porque essa regra está situada, topologicamente, no Livro II da Parte Especial do CPC/2015, destinado a disciplinar o processo de execução de título extrajudicial, cujas disposições se aplicam à fase de cumprimento de sentença apenas no que couber (art. 771, caput), isto é, desde que não haja regra mais adequada no próprio Livro I da Parte Especial (que contempla o processo de conhecimento e a fase de cumprimento de sentença).

Nesse contexto, o art. 531, § 2º, do CPC/15, que trata especificamente do cumprimento da sentença condenatória ao pagamento de alimentos, estabelece que o cumprimento definitivo ocorrerá no mesmo processo em que proferida a sentença e não faz absolutamente nenhuma distinção a respeito da atualidade ou não do débito, de modo que essa é a regra mais adequada para suprir a lacuna do legislador no trato da questão controvertida.

Em segundo lugar, ainda sob o ponto de vista topológico, o art. 780 do CPC/2015 está situado no Capítulo II do Livro II da Parte Especial, que trata especificamente das partes na execução de título executivo extrajudicial, de modo que é correto afirmar que se destina, precipuamente, à fixação das situações legitimantes que definirão os polos ativo e passivo da execução de título extrajudicial, mas não ao procedimento executivo ou, mais precisamente, às técnicas aplicáveis à execução.

Em terceiro lugar, porque o art. 780 do CPC/2015 proíbe a cumulação de execuções fundadas em títulos de diferentes naturezas e espécies, mas desde que para elas existam diferentes procedimentos. Todavia, essa não é a hipótese em análise, que trata de obrigação da mesma espécie e natureza (pagar alimentos fixados ou homologados por sentença), motivo pelo qual somente se pode concluir pela inaplicabilidade do art. 780 do CPC/2015 para o presente caso.

 

Em caso de cumulação de técnicas não há uma nova relação jurídico-processual sendo iniciada

Embora seja lícita, razoável e justificada a opção do legislador pela necessidade de unidade procedimental na hipótese de cumulação de execuções de título extrajudicial, uma vez que se trata de relação jurídico-processual nova, autônoma e que se inaugura por petição inicial, não há que se falar em inauguração de uma nova relação jurídico-processual.

O cumprimento de sentença é apenas uma fase procedimental do processo de conhecimento, de modo que o controle acerca da compatibilidade procedimental (incluída aí a formulação de pretensões cumuladas que poderão resultar execuções igualmente cumuladas) é realizado por ocasião do recebimento da petição inicial, observado o art. 327, §§ 1º a 3º, do CPC/2015.

Se é admissível que haja, no mesmo processo e conjuntamente, o cumprimento de sentença que contenha obrigações de diferentes naturezas e espécies, ainda que existam técnicas executivas diferenciadas para cada espécie de obrigação e que impliquem em adaptações procedimentais decorrentes de suas respectivas implementações, com muito mais razão deve ser admissível o cumprimento de sentença que contenha obrigação da mesma natureza e espécie no mesmo processo, como na hipótese em que se pretenda a cobrança de alimentos pretéritos e atuais.

 

§ 8º do art. 528

Outro argumento sempre invocado para se proibir a cumulação das técnicas era o § 8º do art. 528:

Art. 528 (...)

§ 8º O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação.

 

O STJ disse, contudo, que esse dispositivo não é pertinente para a resolução da questão controvertida.

O § 8º do art. 528 somente afirma que, no cumprimento de sentença processado sob a técnica da penhora e da expropriação, não será admitido o uso da técnica coercitiva da prisão civil. Isso não significa dizer, contudo, que, na hipótese de cumprimento de sentença parte sob a técnica da coerção pessoal e parte sob a técnica da penhora e expropriação, deverá haver, obrigatoriamente, a cisão do cumprimento de sentença em dois processos autônomos em virtude das diferentes técnicas executivas adotadas.

 

 

 

 

Haveria risco de tumulto processual e prejuízos à celeridade.

Também era comum que se afastasse a possibilidade de, em um único cumprimento da sentença, contemplar as técnicas executivas da prisão civil para alimentos atuais e da penhora e expropriação para alimentos pretéritos sob o fundamento de que haveria risco de tumulto processual e de prejuízos à celeridade.

Esse fundamento é alegado de forma genérica, lacônica e abstrata, na medida em que não se especificam, precisa e empiricamente, quais seriam os tumultos ou os prejuízos que decorreriam da adoção, no mesmo processo, das técnicas executivas da prisão civil e da penhora e expropriação.

Sem prejuízo, poder-se-ia cogitar, por exemplo, de eventuais dúvidas decorrentes de uma possível ausência de especificação sobre a que título determinado valor estaria sendo cobrado ou quitado, isto é, se referente aos alimentos pretéritos ou atuais, particularmente preocupante diante das consequências distintas para a hipótese de inadimplemento.

Nesse contexto, para que seja admitida a cobrança, no mesmo processo, de alimentos pretéritos pela técnica da penhora e da expropriação e alimentos atuais, três providências parecem ser adequadas para afastar, por completo, a possibilidade de eventuais tumultos processuais.

Ao credor que porventura optar pela execução cumulada de alimentos pretéritos e atuais no mesmo processo, caberá especificar, detalhadamente, no requerimento do cumprimento de sentença e em suas demais manifestações, se a parcela cobrada se refere aos alimentos pretéritos, sobre os quais incidirá a técnica da penhora e expropriação, ou se se refere aos alimentos atuais, sobre os quais incidirá a técnica da prisão civil.

Ao julgador, caberá especificar, no mandado de intimação que será endereçado ao devedor, quais parcelas ou valores são referentes aos alimentos pretéritos e que, na hipótese de inadimplemento, ensejarão penhora e expropriação, e quais parcelas ou valores são referentes aos alimentos atuais e que, na hipótese de inadimplemento, resultarão na prisão civil do devedor.

Ao devedor, por sua vez, caberá, sobretudo nas hipóteses em que houver apenas a quitação parcial da dívida, especificar se o pagamento se refere aos alimentos pretéritos, que elidirão a possibilidade de penhora e expropriação, ou se se refere aos alimentos atuais, que impedirão a decretação de sua prisão civil, sob pena de ser lícito ao credor recebê-los na modalidade que melhor lhe convier.

 

Em conclusão

Diante da ausência de vedação legal expressa, não se afigura razoável e adequado impor ao credor, obrigatoriamente, a cisão da fase de cumprimento da sentença na hipótese em que pretenda a satisfação de alimentos pretéritos e atuais, exigindo-lhe a instauração de dois incidentes processuais, ambos com a necessidade de intimação pessoal do devedor, quando a satisfação do crédito é perfeitamente possível no mesmo processo.

 

Caso concreto, com adaptações, enfrentado pela 3ª Turma do STJ no REsp 2.004.516/RO:

O pai fez acordo se comprometendo a pagar à filha 20% do salário-mínimo a título de alimentos. Esse acordo foi homologado por sentença proferida em 04/09/2019.

Diante do inadimplemento do devedor, foi iniciada a fase de cumprimento de sentença em 02/03/2020.

A filha pediu o pagamento de um mês (novembro/2019) sob a técnica da penhora e expropriação e os últimos três meses (dezembro/2019, janeiro/2020 e fevereiro/2020) sob a técnica da coerção pessoal (prisão civil).

O juiz e o TJ negaram a cumulação das técnicas, mas a decisão foi revertida pelo STJ.

 

 

 

 

 


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