terça-feira, 27 de dezembro de 2022

O que é a ação de petição de herança? Quando se inicia o prazo prescricional?

 

 

Ação de petição de herança

Ação de petição de herança é aquela proposta por alguém que quer ser reconhecido como herdeiro do falecido e, como via de consequência, ter direito à herança (no todo ou em parte). Petição = pedido. Logo, petição de herança significa pedir a herança.

Trata-se de ação para que um herdeiro preterido possa reivindicar a totalidade ou parte do acervo hereditário, sendo movida contra o detentor da herança, com o objetivo de que seja realizada nova partilha dos bens.

Ex1: mulher vivia em união estável com o morto, mas isso não estava oficializado e os filhos do defunto não a reconhecem como sua companheira. Ela poderá ajuizar ação de reconhecimento de união estável post mortem cumulada com petição de herança.

Ex2: filho não reconhecido pelo morto poderá ajuizar ação de reconhecimento de paternidade post mortem cumulada com petição de herança.

 

Previsão

A petição de herança está prevista nos arts. 1.824 a 1.828 do CC:

Art. 1.824. O herdeiro pode, em ação de petição de herança, demandar o reconhecimento de seu direito sucessório, para obter a restituição da herança, ou de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a possua.

 

Prazo prescricional

A pretensão de petição de herança prescreve no prazo de 10 anos, nos termos do art. 205 do CC, já que não existe um prazo específico fixado no Código:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Em 2002, João, viúvo, faleceu e deixou dois filhos: Antônio e Bento.

Com a morte, foi aberto inventário e realizou-se a partilha dos bens de João entre os dois herdeiros acima mencionados.

Ocorre que havia uma história que poucos sabiam. João teve mais um filho (Carlos), que não foi registrado em seu nome.

Em 2012, Maria, mãe de Carlos, decide contar a verdade para seu filho e o incentiva a procurar seus direitos.

Diante disso, Carlos ajuíza ação de investigação de paternidade post mortem pedindo que seja reconhecido como filho de João. Havia várias provas desse fato e a sentença foi procedente e transitou em julgado em 2014.

Em 2015, Carlos propôs ação de petição de herança contra Antônio e Bento pedindo a sua parte na herança.

Os réus suscitaram a ocorrência de prescrição, argumentando que a ação de petição de herança prescreve em 10 anos, contados da abertura da sucessão (morte).

Como a abertura da sucessão ocorreu em 2002, João tinha até o ano de 2012 para propor a demanda.

 

O argumento dos réus é aceito pelo STJ? O prazo prescricional para propor ação de petição de herança conta-se da abertura da sucessão?

O STJ estava dividido:

3ª Turma: NÃO

O prazo prescricional só começa a ser contado com o trânsito em julgado da decisão que reconheceu a paternidade.

Na hipótese em que ação de investigação de paternidade post mortem tenha sido ajuizada após o trânsito em julgado da decisão de partilha de bens deixados pelo de cujus, o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da decisão que reconheceu a paternidade, e não o trânsito em julgado da sentença que julgou a ação de inventário.

STJ. 3ª Turma. REsp 1475759-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/5/2016 (Info 583).

 

4ª Turma: SIM

O prazo prescricional começa a ser contado com a abertura da sucessão (data da morte do autor da herança), ou, em se tratando de herdeiro absolutamente incapaz, da data em que completa 16 anos.

O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de petição de herança conta-se da abertura da sucessão, ou, em se tratando de herdeiro absolutamente incapaz, da data em que completa 16 (dezesseis) anos, momento em que, em ambas as hipóteses, nasce para o herdeiro, ainda que não legalmente reconhecido, o direito de reivindicar os direitos sucessórios (actio nata).

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 479648/MS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 10/12/2019.

 

Ao julgar embargos de divergência, o STJ pacificou o tema. Qual das duas posições prevaleceu?

A posição da 4ª Turma:

O prazo prescricional para propor ação de petição de herança conta-se da abertura da sucessão.

STJ. 2ª Seção. EAREsp 1.260.418/MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 26/10/2022 (Info 757).

 

O princípio da actio nata (actione non nata non praescribitur - ação não nascida não prescreve), aplicado nos acórdãos confrontados, encontra-se disciplinado no art. 189 do CC/2002:

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

 

Segundo esse dispositivo, o prazo prescricional correrá a partir do momento em que for possível, em tese, propor a ação, qual seja, a data em que afrontado o direito. Essa norma não exige que o titular do direito tenha ciência da respectiva lesão.

Atualmente admite-se que a regra geral, que adota a vertente objetiva na aplicação do princípio da actio nata, comporta exceções, em decorrência ora de lei específica ora de circunstâncias extremamente relevantes verificadas no caso concreto.

No presente caso, efetivamente inexistem circunstâncias específicas que impliquem afastamento da regra geral (corrente objetiva), sobretudo diante das demais normas que disciplinam a sucessão, aplicáveis mesmo nos casos em que a condição de herdeiro ainda não tenha sido reconhecida oficialmente.

Destaca-se que, pelo princípio da saisine, a herança transmite-se no momento da abertura da sucessão (art. 1.784 do CC/2002).

Ademais, havendo questionamento de alta indagação acerca da condição de herdeiro, tal matéria será remetida às instâncias ordinárias, reservando-se o respectivo quinhão até a solução do caso (art. 627, § 3º, e art. 628, § 2º, do CPC/2015).

Portanto, aberta a sucessão, o herdeiro, independentemente do reconhecimento oficial de tal condição, poderá imediatamente postular seus direitos hereditários nas vias ordinárias, cabendo-lhe as seguintes opções:

a) propor ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança;

b) propor concomitantemente, mas em processos distintos, ação de investigação de paternidade e ação de petição de herança. Em tal caso, ambas poderão tramitar simultaneamente, ou se poderá suspender a petição de herança até o julgamento da investigatória;

c) propor ação de petição de herança, na qual deverão ser discutidas, na esfera das causas de pedir, a efetiva paternidade do falecido e a violação do direito hereditário. Tal opção, na prática, revela causas de pedir e pedidos semelhantes aos deduzidos na alternativa “a”.

 

Enfim, a defesa do direito hereditário pode ser exercida de imediato, logo após a abertura da sucessão, prevalecendo o entendimento firmado nos paradigmas da Quarta Turma.

A ausência de prévia propositura de ação de investigação de paternidade, imprescritível, e de seu julgamento definitivo não constitui óbice para o ajuizamento de ação de petição de herança e para o início da contagem do prazo prescricional. A definição da paternidade e da afronta ao direito hereditário, na verdade, apenas interfere na procedência da ação de petição de herança.


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