sábado, 17 de dezembro de 2022

A penhora de cotas de fundo de investimento não confere, automaticamente, ao exequente a condição de cotista desse fundo, não sujeitando-se aos riscos provenientes dessa espécie de investimento

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

A pessoa jurídica Alfa ingressou com cumprimento de sentença contra a pessoa jurídica Beta cobrando R$ 200 mil.

O juiz não localizou dinheiro nas contas bancárias da devedora. No entanto, verificou a executada tinha 2.000 cotas de um fundo de investimento. Cada cota estava avaliada, em 02/02/2020, em R$ 100,00.

Diante disso, foram penhoradas as 2.000 cotas, o equivalente a R$ 200 mil.

A devedora apresentou impugnação e, depois de 6 meses, o juiz rejeitou a impugnação. Não houve recurso e o juiz determinou, no dia 02/08/2020, a liquidação (“venda”) das cotas e a entrega do dinheiro para a credora.

Ocorre que, nesses 6 meses, o fundo de investimentos teve uma valorização e cada cota passou para o valor de R$ 150,00. Isso significa que:

• em 02/02, 2.000 cotas equivalia a R$ 200 mil;

• em 02/08, 2.000 cotas passou a equivaler a R$ 300 mil.

 

Vale ressaltar que o valor atualizado da dívida executada, incluindo multa e honorários advocatícios de 10% é de R$ 250 mil.

A exequente, contudo, afirmou que teria direito de receber R$ 300 mil considerando que, no momento da penhora, “passou a integrar aquele negócio jurídico, assumindo a condição de investidora e se sujeitando aos riscos inerentes, ao menos em relação às cotas representativas do seu verdadeiro crédito, de sorte que tem direito ao valor que as mesmas alcançaram em 02/08/2020”.

 

Essa tese da exequente foi aceita pelo STJ? A penhora de cotas de fundo de investimento confere, automaticamente, ao exequente a condição de cotista desse fundo, substituindo a parte executada - titular desses bens e sujeitando-se aos riscos provenientes dessa espécie de investimento?

NÃO.

 

O que é a penhora?

A penhora representa o primeiro ato executivo para a satisfação do direito do credor, por meio do qual o Estado, sub-rogando-se ao devedor, individualiza, apreende e deposita os bens deste, a fim de preservá-los até o efetivo cumprimento da obrigação executada, garantindo-se ao credor um direito de prelação e de sequela, de forma a ensejar a ineficácia, em relação ao exequente, dos atos de disposição porventura praticados pelo devedor em benefício de terceiro, mas não afetando o direito dominial (propriedade) desse devedor sobre o bem, enquanto não efetivada a expropriação final (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, volume 3 – 55ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2022, pp. 364-368).

 

O que são fundos de investimento?

O fundo de investimento “é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros” (art. 3º da Instrução CVM n. 555/2014), possibilitando a destinação de parcela do patrimônio a gestão por administração especializada, a compatibilizar o interesse em segurança, rentabilidade e liquidez, que um investidor, individualmente considerado, teria menor probabilidade de obter (MIRAGEM, Bruno. Direito Bancário – 2ª ed. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 485).

Tais fundos dividem-se em cotas representativas de frações ideais do seu patrimônio, as quais pertencem a cada investidor titular do direito de resgate e possuem valor variável, diretamente proporcional ao retorno dos investimentos em ativos feitos pelo administrador do fundo, através dos recursos aportados pelos investidores.

 

As cotas de fundo de investimento podem ser penhoradas?

SIM. As cotas de fundos de investimento são espécies de valores mobiliários, de acordo com o art. 2º, V, da Lei nº 6.385/76:

Art. 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:

(...)

V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos;

 

Os valores mobiliários estão na terceira posição na ordem de penhora prevista no CPC:

Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

(...)

III - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;

 

A penhora não transfere automaticamente a propriedade das cotas para o exequente

Ocorrendo a penhora sobre cotas de fundo de investimento, a propriedade desses bens mantém-se com o devedor investidor até o resgate ou a expropriação final. A penhora em si confere ao exequente o mero direito de preferência e de sequela, e não a propriedade da cota.

Logo, não se transfere ao exequente a álea (risco) inerente a esse tipo de negócio jurídico. Apenas os cotistas contratantes é que ficam sujeitos aos riscos do investimento. Isso significa que o exequente não fica obrigado pelos ônus nem pode se beneficiar  dos bônus desse investimento, notadamente diante do princípio da relatividade dos efeitos do contrato.

 

Exequente não se prejudica com a desvalorização nem se beneficia com a valorização das cotas

Portanto, enquanto não operado o resgate ou a expropriação final das cotas de fundo de investimento penhoradas, podem ocorrer duas situações:

• as cotas do fundo se desvalorizaram: surge para o exequente o direito de requerer a complementação da penhora, na linha do que prevê o art. 850 do CPC/2015:

Art. 850. Será admitida a redução ou a ampliação da penhora, bem como sua transferência para outros bens, se, no curso do processo, o valor de mercado dos bens penhorados sofrer alteração significativa.

 

• as cotas do fundo se valorizaram: no momento do efetivo adimplemento, deverá ocorrer a exclusão da importância que superar o crédito exequendo (devidamente atualizado e acrescido dos encargos legais, tais como juros de mora e honorários de advogado). Se não houver essa exclusão, haverá excesso de execução, nos termos do art. 917, § 2º, I e II, do CPC/2015:

Art. 917 (...)

§ 2º Há excesso de execução quando:

I - o exequente pleiteia quantia superior à do título;

II - ela recai sobre coisa diversa daquela declarada no título;

 

Em suma:

 


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