domingo, 13 de novembro de 2022

A utilização, por terceiros, de marcas registradas, como palavras-chave em links patrocinados, com indiscutível desvio de clientela, caracteriza ato de concorrência desleal

 

Imagine a seguinte situação adaptada:

Braun Passagens e Turismo Ltda é uma agência de turismo que atua no mercado há mais de 30 anos, sendo uma das principais da região, destacando-se, especialmente, pelos pacotes turísticos à Disney.

Para resguardar os seus direitos, a empresa registrou a propriedade intelectual da marca Braun no INPI.

Quando se pesquisa no Google a palavras Braun Turismo, facilmente se localiza o link que remete ao site da empresa, estando escrito “a número 1 em Disney”.

A Braun teve ciência de que outra agência de turismo (XYZ) havia vinculado os seus serviços de viagem e turismo à expressão Braun para divulgá-los, de modo que, ao se pesquisar Braun Turismo no Google, aparecerá em primeiro lugar o link dessa agência concorrente.

Desse modo, mesmo que se digitasse o nome da empresa e a sua atividade (Braun Turismo), o primeiro link que aparecia era o da agência XYZ.

A agência XYZ fez isso por meio de uma ferramenta de publicidade do Google, de links patrocinados. Paga-se um valor para o Google com o objetivo de que o link da empresa contratante apareça em destaque caso se digite determinadas palavras ou frases. No caso, a agência XYZ pagou ao Google para o link do seu site aparecer em destaque caso o usuário digite Braun Turismo.

 

Ação questionando essa prática

A Braun ajuizou ação de obrigação de não fazer contra a XYZ argumentando que a prática da ré configura concorrência desleal, que teria como objetivo a captação ilícita de clientes, induzindo os consumidores em erro.

Assim, a Braun pediu que a empresa ré fosse condenada a abster-se de utilizar a marca da autora, além de ter que pagar indenização por danos morais.

Em primeira instância, o juiz julgou o pedido procedente e determinou que a ré não mais poderia utilizar a marca da autora para a divulgação dos seus serviços. Além disso, condenou a requerida ao pagamento de indenização de R$ 15 mil.

O TJ/SP manteve a condenação.

A requerida, inconformada, interpôs recurso especial argumentando que se utilizou de link patrocinado no Google, o que é uma ferramenta de publicidade lícita. O nome da empresa Braun é utilizado apenas internamente pelo algoritmo e, portanto, nem aparece na página da agência XYZ, de forma que o consumidor não é induzido em erro.

 

O STJ manteve a condenação? Configura concorrência desleal a conduta de um anunciante na internet de utilizar a marca registrada de um concorrente como palavra-chave em link patrocinado para obter posição privilegiada em resultados de buscas, direcionando os usuários daqueles produtos e serviços para o seu próprio site?

SIM.

A livre iniciativa e a livre concorrência são protegidas no art. 170 da Constituição Federal.

Desse modo, o ordenamento jurídico favorece disputas leais de mercado. Por outro lado, também se censura práticas ilegítimas de obtenção de vantagem.

A concorrência será considerada desleal sempre que se verificar a utilização de esforços que se distanciam da ética e perseguem o desvio de clientela e empobrecimento do concorrente.

A Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96) tipifica condutas que configuram concorrência desleal. Veja as seguintes:

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

(...)

III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

IV - usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos;

V - usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências.

 

No caso, tem-se a discussão de concorrência desleal em ambiente virtual, especificamente no âmbito da internet.

Com efeito, o desenvolvimento tecnológico concebeu situações até então desconsideradas pelo ordenamento jurídico, mas que demandariam tutela jurídica.

A internet maximiza a visibilidade da oferta e circulação de produtos e serviços, propiciando aos players o alcance de mercados até então de difícil ou impossível ingresso.

Em virtude da evolução da internet, o comércio eletrônico (e-commerce) apresenta-se como forma interessante de desenvolvimento da atividade empresarial, propiciando o advento de novos modelos de negócio e a expansão da livre concorrência.

Nesse rumo, ao mesmo tempo em que a concorrência é favorecida, impõe-se a cada um dos atuantes do mercado empenho maior para que se destaque dos demais. Assim, para suprir essa demanda, novos expedientes de visibilidade são desenvolvidos e oferecidos pelos provedores de pesquisa da Internet.

As empresas que atuam no e-commerce preocupam-se com o formato e funcionalidade de seus endereços virtuais e, cada vez mais, empregam esforços para que seus sites apareçam em posição de destaque nos resultados das buscas na Internet. Agem desta maneira visando atrair o maior número possível de visitantes, potenciais clientes.

O principal instrumento utilizado pelo comércio eletrônico é oferecido pelos provedores de pesquisa, como o Google, com os links patrocinados.

O Google coloca à venda palavras-chave, que quando utilizadas pelo usuário na busca, acarretarão o aparecimento, com destaque e precedência, do conteúdo pretendido pelo anunciante.

A esse mecanismo oferecido pelos provedores de busca para dar publicidade aos produtos e serviços dá-se o nome de links patrocinados (keyword advertising). Assim, terão prevalência no rol de resultados de determinada busca, o anúncio, empresa ou marca daquele anunciante que se dispôs a pagar o maior valor pela posição destacada da palavra-chave.

Embora seja lícito o expediente dos links patrocinados nos sites de busca, a inexistência de parâmetros ou mesmo proibições referentes às palavras-chaves que acionem a publicidade, escolhidas pelos anunciantes, podem gerar conflitos relacionados à propriedade intelectual.

É que algumas empresas, ao contratarem links patrocinados, elegem como tal marcas ou nomes empresariais de concorrentes, usualmente empresas consagradas em seus respectivos ramos de atuação.

Diante deste cenário, a utilização, por terceiros, de marcas registradas, como palavras-chave em links patrocinados, com indiscutível desvio de clientela, caracteriza ato de concorrência desleal.

A utilização da marca de um concorrente como palavra-chave para direcionar o consumidor do produto ou serviço para o link do concorrente usurpador, é capaz de causar confusão quanto aos produtos oferecidos ou a atividade exercida pelos concorrentes.

A deslealdade, aqui, está na forma de captação de clientela, por recurso ardil, sem a dispensa de investimentos condizentes.

Essa prática desleal conduz a processo de diluição da marca no mercado, que perde posição de destaque e prejuízo à função publicitária, pela redução da visibilidade.

Além da flagrante utilização indevida de nome empresarial e marca alheia, a utilização de links patrocinados, na forma como engendrada pela empresa ré, é conduta reprimida pelo art. 195, III e V, da Lei da Propriedade Industrial e pelo artigo 10 bis, da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial.

A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em toda a abrangência do território nacional, conforme dispõe o art. 129 da Lei nº 9.279/96, sendo certo que “abrange o uso da marca em papéis, impressos, propaganda e documentos relativos à atividade do titular”, também nos termos do art. 131 da mesma lei.

Nesse rumo de ideias, é certo que o estímulo à livre iniciativa, dentro ou fora da rede mundial de computadores, deve conhecer limites, sendo inconcebível reconhecer lícita conduta que cause confusão ou associação proposital à marca de terceiro atuante no mesmo nicho de mercado.

 

Em suma:

 

DOD Plus – julgado correlato

É possível, com fundamento no art. 22 do MCI, a requisição de fornecimento dos nomes ou domínios das empresas que patrocinam links na ferramenta “Google Ads” relacionados à determinada expressão?

Tendo e vista a obrigação legal de guarda de registros de conexão e de acesso a aplicações de internet, é possível, desde que preenchidos os requisitos legais, impor aos provedores o dever de fornecer os nomes ou domínios das sociedades empresárias que patrocinam links na ferramenta “Google Ads” relacionados à determinada expressão utilizada de forma isolada ou conjunta, pois tal medida representa mero desdobramento daquelas obrigações.

O provedor de internet deve manter armazenados os registros relativos a patrocínio de links em serviços de busca pelo período de 6 (seis) meses contados do fim do patrocínio e não da data da contratação.

STJ. 3ª Turma. REsp 1961480-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 07/12/2021 (Info 721).



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