domingo, 6 de novembro de 2022

É cabível revisão judicial de contrato de locação não residencial - empresa de coworking - com redução proporcional do valor dos aluguéis em razão de fato superveniente decorrente da pandemia da Covid-19

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

Em 2014, a Ômega Ltda. alugou um imóvel de propriedade da Alfa Participações.

Foi celebrado entre as duas um contrato de locação de imóvel para fins comerciais por prazo indeterminado, com o valor mensal de R$ 5.000,00 a título de aluguéis.

A Ômega é uma empresa de coworking e usa o espaço como prestação de serviços para que pequenas empresas e profissionais liberais possam ali fazer reuniões.

Ocorre que, em março de 2020, em razão da pandemia da covid-19, começaram a ser impostas diversas medidas de isolamento social.

Em razão disso, as reuniões foram suspensas, o que reduziu drasticamente a receita da empresa de coworking.

Nesse cenário, a Ômega ajuizou ação revisional contra a Alfa Participações pedindo a redução de 50% valor do aluguel pelo prazo de cinco meses ou até que cessassem os impactos econômicos do coronavírus.

A empresa ré apresentou contestação e alegou que a autora não deixou de exercer as suas atividades e estava tentando se aproveitar da situação para reduzir os seus custos operacionais. Argumentou, ainda, que não foi demonstrada a vantagem indevida à locadora, bem como que não pode ser responsabilizada pelos prejuízos decorrentes das restrições governamentais. Por fim, argumentou que a autora não comprovou o nexo de causalidade entre a redução das receitas e a pandemia.

 

A questão chegou até o STJ. O pedido da autora pode ser acolhido?

SIM.

Conforme já explicado, a locatária era uma empresa de coworking, cujo objetivo, linhas gerais, é o compartilhamento de espaço para empreendedores e empresas de pequeno porte. Ou seja, o coworking é um espaço físico que pode ser compartilhado por várias empresas ou profissionais liberais.

É certo que a pandemia trouxe efeitos negativos tanto para a locatária como para a locadora, no entanto, é indiscutível que sobreveio um desequilíbrio econômico-financeiro imoderado para a locatária.

A locatária ficou impedida de exercer suas atividades por um tempo e, mesmo assim, manteve-se obrigada continuar pagando os aluguéis no valor integral e originalmente firmado. Houve, portanto, uma drástica alteração das circunstâncias que existiam na época da contratação, situação que comporta a intervenção no contrato a fim de que sejam restabelecidos os elementos econômico e financeiros das partes para que se adequem às novas condições.

Nessa linha, a fixação de um período determinado para que as partes possam se adequar às condições (adversas) que lhes foram impostas, constitui medida salutar, capaz de promover a melhor composição para cada caso, especialmente quando a manutenção do contrato é viável, como no caso dos autos.

A liberdade de contratar é o núcleo das relações privadas, no entanto, encontra limites nas regras da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, que, por sua vez, devem ser interpretadas de acordo com a natureza da relação jurídica firmada, autorizando-se, assim, em maior ou menor medida, a intervenção do Estado-Juiz como forma de restabelecer o equilíbrio entre as partes.

A diretriz da boa-fé, portanto, deve ser observada, especialmente porque os ônus suportados pela locatária revelaram-se, no caso concreto, desmesurados.

Ademais, a situação da pandemia pode ser enquadrada como fortuito externo ao negócio, circunstância que exige a ponderação dos sacrifícios de cada parte na relação contratual.

 

Em suma:

 

Cuidado para não confundir:

Não é possível ao consumidor invocar o direito subjetivo da revisão contratual diante dos efeitos advindos da pandemia da Covid-19, como fundamento para autorizar a redução proporcional do valor das mensalidades escolares

A situação decorrente da pandemia pela Covid-19 não constitui fato superveniente apto a viabilizar a revisão judicial de contrato de prestação de serviços educacionais com a redução proporcional do valor das mensalidades.

STJ. 4ª Turma REsp 1998206-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/06/2022 (Info 741).


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