quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Existe sucumbência do autor na ação de indenização por danos morais em que se pleiteia um valor a título de indenização e o juiz condena em quantia inferior ao montante sugerido na petição inicial?

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João ajuizou ação de indenização por danos morais contra o jornal Estado de São Paulo pedindo R$ 1 milhão de reparação.

O juiz reconheceu que o jornal cometeu grave erro na reportagem veiculada, praticando, portanto, ato ilícito, mas condenou o réu ao pagamento de apenas R$ 25 mil.

O jornal recorreu alegando que, como o autor pediu 1 milhão e somente obteve 25 mil, ele obteve provimento equivalente a 2,5% do valor pleiteado, devendo, portanto, ser condenado ao pagamento de 97,5% dos honorários advocatícios e das verbas de sucumbência.

 

O STJ acolheu a tese do réu?

NÃO.

No caso concreto, conforme demonstrado, existe uma substancial discrepância entre o quantum pleiteado a título de indenização e o valor arbitrado pelo juiz. Por conta disso, o réu alega que o autor sucumbiu na maior parte do pedido.

O STJ, contudo, não concordou com essa argumentação.

O art. 292, V, do CPC/2015 prevê que o valor da causa nas ações indenizatórias - inclusive aquelas fundadas em danos morais - deve corresponder ao valor que foi pedido:

Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será:

(...)

V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido;

 

Em razão dessa previsão, que não existia no CPC/1973, algumas vozes se levantaram dizendo que o entendimento manifestado na Súmula 326 do STJ estaria superado. Vamos relembrar o que diz esse enunciado que é do ano de 2006:

Súmula 326-STJ: Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.

Aprovada em 22/05/2006, DJ 07/06/2006.

 

A Súmula 326 do STJ ficou superada com o CPC/2015?

NÃO.

Essa súmula permanece aplicável:

Nos termos da Súmula 326/STJ, na ação de compensação por danos morais, a condenação em montante inferior ao postulado na petição inicial não implica sucumbência recíproca.

STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1672112/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/08/2020.

 

Por que o STJ editou a Súmula 326 do STJ? Quais são os argumentos a sustentam?

Podemos mencionar dois principais fundamentos:

1) Nos casos de indenização por danos morais, fixado o valor indenizatório menor do que o indicado na inicial, não se pode, para fins de arbitramento de sucumbência, sob pena de correr o risco de gerar um paradoxo de impor à vítima o pagamento de honorários advocatícios superiores ao deferido a título indenizatório (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1710637/GO, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 22/05/2018).

Explicando melhor com o caso concreto: se não houvesse a Súmula 326 do STJ, mesmo ficando reconhecido que o jornal errou e que João foi prejudicado, ele teria que pagar mais de honorários advocatícios de sucumbência do que receberia de indenização.

 

2) Em razão da natural dificuldade de ser aferida a lesão moral, deve-se entender que o valor do dano moral indicado na petição inicial é meramente uma estimativa feita pelo autor, de modo que na eventualidade de o juiz fixar uma quantia inferior, isso não o transforma em parcialmente vencido. Havendo condenação ao pagamento da indenização, deve-se considerar que apenas o réu foi vencido (STJ. 4ª Turma. REsp 432.177/SC, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 28/10/2003).

 

Os fundamentos que levaram a edição da súmula permanecem hígidos

Conforme já dito, a Súmula 326 do STJ permanece aplicável. Isso porque esses dois pressupostos acima explicados ainda subsistem e não foram superados pelo simples fato de o art. 292, V, do CPC/2015 ter passado a exigir que o autor da demanda indique o valor pretendido a título de reparação pelos danos morais que diz haver suportado.

Essa indicação é feita exclusivamente para o fim de se estipular o valor da causa, com possível repercussão nas custas processuais e, eventualmente, na competência do órgão julgador. Além disso, essa indicação é feita em caráter meramente estimativo.

Contraria a lógica reparatória dizer que um provimento jurisdicional que declara a ilicitude do ato e o direito da vítima à indenização, com a condenação do ofensor no pagamento de prestação pecuniária, pode impor à vítima obrigação de custear os encargos processuais sucumbenciais em montante que supera o valor arbitrado para fins de ressarcimento. Esse entendimento viola o direito à reparação, que possui assento constitucional (art. 5º, V e X).

O arbitramento do valor da indenização é uma tarefa de competência exclusiva do órgão judiciário, com elevada carga de subjetividade, sendo de pouca influência a estimativa que o autor faz em sua petição inicial. Tanto isso é verdade que, mesmo se o réu for revel, o juiz não está obrigado a aceitar incondicionalmente o valor indicado pelo demandante da ação.

 

Mero indicativo referencial

Repita-se: o valor sugerido pela parte autora para a indenização por danos morais traduz mero indicativo referencial, apenas servindo para que o julgador pondere a informação como mais um elemento para a árdua tarefa de arbitrar o valor da condenação, a fim de que se afigure suficiente para reparar o prejuízo imaterial suportado pela vítima do evento danoso.

 

Valor sugerido na petição inicial não faz parte do pedido; faz parte da causa de pedir

Em uma ação de indenização, o pedido, em sentido estrito, é a condenação do réu ao pagamento da indenização.

O valor indicado pelo autor não faz parte do pedido propriamente dito.

O valor indicado pelo autor faz parte apenas da causa de pedir, limitando-se a representar a narrativa da parte no sentido de que, em sua avaliação, aquele prejuízo imaterial tem equivalência pecuniária no montante por ela indicado.

 

Se o juiz acolheu o pedido de condenação do réu ao pagamento da indenização, o sucumbente foi o réu

Na perspectiva da sucumbência, o acolhimento do pedido inicial - este entendido como sendo a pretensão reparatória stricto sensu, e não o valor indicado como referência -, com o reconhecimento do dever de indenizar, é o bastante para que ao réu seja atribuída a responsabilidade pelo pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, decerto que vencido na demanda, portanto sucumbente.

 

Vale a pena fazer uma ressalva. Imaginemos que a vítima de uma lesão ajuíza ação de indenização na qual pede que o réu seja condenado ao pagamento de R$ 1 milhão, sendo R$ 500 mil de danos morais pelo trauma sofrido no dia e R$ 500 mil pelos danos estéticos decorrentes de suposta cicatriz que teria ficado. O juiz condena a R$ 500 mil a título de danos morais, mas não reconhece a existência de danos estéticos. Haverá sucumbência parcial do demandante?

SIM. Haverá sucumbência parcial do demandante se o autor reivindica indenização por mais de um fato danoso ou prejuízo (v. g., danos estéticos, morais e à imagem) e o juiz reconhece o dever de indenizar para somente parte deles.

Da mesma forma, haverá sucumbência parcial do demandante quando o pedido envolve a reparação de prejuízo materiais, necessariamente delimitados e quantificados e apenas uma parcela dos pedidos é indeferida.

 

Em suma:



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