sábado, 12 de novembro de 2022

Pessoa jurídica interessada continua com legitimidade para propor ação de improbidade e para celebrar acordo de não persecução cível

 

A Lei nº 14.230/2021 promoveu a maior reforma da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) desde que esse diploma foi editado.

Neste julgado iremos analisar duas ADIs propostas contra duas alterações na Lei:

1) Restrição da legitimidade para ajuizamento da ação de improbidade e para a realização de acordo;

2) Obrigatoriedade de a assessoria jurídica fazer a defesa do agente público caso ela tenha exarado parecer.

 

INCONSTITUCIONALIDADE DA RESTRIÇÃO DA LEGITIMIDADE PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO E PARA A REALIZAÇÃO DE ACORDO

Lei nº 14.230/2021 queria excluir da pessoa jurídica lesada a possiblidade de ajuizar a ação

Antes da Lei nº 14.230/2021, a Lei nº 8.429/92 previa que a ação de improbidade administrativa poderia ser proposta:

• pelo Ministério Público;

• pela pessoa jurídica interessada.

Havia, portanto, uma legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa.

A Lei nº 14.230/2021 tentou restringir essa legitimidade ativa e alterou a Lei nº 8.429/92 para dizer que a ação de improbidade administrativa somente poderia ser proposta pelo Ministério Público.

AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Legitimidade para a propositura da ação

Antes da Lei nº 14.230/2021

Depois da Lei nº 14.230/2021

A ação de improbidade podia ser proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada (ex: se a improbidade tivesse sido praticada contra o ente municipal, este Município poderá ajuizar a ação de improbidade).

A Lei nº 14.230/2021 disse que a ação de improbidade somente poderia ser proposta pelo Ministério Público.

A pessoa jurídica interessada não teria mais legitimidade para ajuizar ação de improbidade.

 

Lei nº 14.230/2021 queria excluir da pessoa jurídica lesada a possiblidade de fazer acordo de não persecução cível

O acordo de não persecução cível é um negócio jurídico firmado entre o Ministério Público e o suposto autor do ato de improbidade administrativa segundo o qual este último se compromete a cumprir certas condições e, em troca, não será condenado por improbidade administrativa.

A Lei nº 14.230/2021 incluiu o art. 17-B, § 5º na Lei nº 8.429/92 prevendo que somente o Ministério Público poderia negociar e celebrar acordo de não persecução cível com o investigado ou demandado. Confira:

Art. 17-B.

§ 5º As negociações para a celebração do acordo a que se refere o caput deste artigo ocorrerão entre o Ministério Público, de um lado, e, de outro, o investigado ou demandado e o seu defensor.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

 

Assim, pela Lei nº 14.230/2021, a pessoa jurídica interessada não poderia celebrar acordo de não persecução cível.

 

Essas mudanças são válidas?

NÃO.

O STF decidiu que os entes públicos que tenham sofrido prejuízos em razão de atos de improbidade também estão autorizados a propor ação de improbidade e a celebrar acordos de não persecução civil em relação a esses atos.

Desse modo, o STF declarou inválidos os dispositivos da Lei nº 14.230/2021, que conferiam ao Ministério Público legitimidade exclusiva para a propositura das ações por improbidade e para a realização dos acordos.

 

CF/88 somente confere legitimidade privativa ao MP para a ação penal pública

A CF/88 prevê, de modo expresso, a privatividade da legitimidade do MP apenas para a propositura da ação penal pública:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

(...)

 

Logo, deve-se interpretar que as ações de natureza cível, como é o caso da ação de improbidade, não são exclusividade do Ministério Público.

Nas ações de improbidade administrativa, a atuação do MP é extraordinária na defesa do patrimônio público em sentido amplo. Isso porque o MP atua, em nome próprio, na defesa de interesse alheio (do ente público).

Por outro lado, atuação da pessoa jurídica lesada na ação de improbidade é uma atuação ordinária, considerando que foi ela quem sofreu os efeitos gravosos dos atos ímprobos. A pessoa jurídica interessada está defendendo, em nome próprio, o seu próprio interesse/patrimônio.

Desse modo, não faz sentido negar à pessoa jurídica lesada a legitimidade de defender seu próprio direito.

 

Essa restrição fere a lógica de proteção do patrimônio público

A Constituição consagrou, como vetores básicos da Administração Pública, o respeito à legalidade, impessoalidade e moralidade, além do combate à corrupção e à improbidade administrativa.

Dessa forma, a supressão da prerrogativa das pessoas jurídicas lesadas fere a lógica constitucional de proteção ao patrimônio público, e representa grave limitação ao amplo acesso à jurisdição.

 

Em suma:

Os entes públicos que sofreram prejuízos em razão de atos de improbidade também estão autorizados, de forma concorrente com o Ministério Público, a propor ação e a celebrar acordos de não persecução civil em relação a esses atos.

STF. Plenário. ADI 7042/DF e ADI 7043/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 31/8/2022 (Info 1066).

 

Diante disso, o STF julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação direta para:

a) declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do caput e dos §§ 6º-A e 10-C do art. 17, assim como do caput e dos §§ 5º e 7º do art. 17-B, da Lei nº 8.429/92, na redação dada pela Lei 14.230/2021, de modo a restabelecer a existência de legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil:

Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei.

(...)

§ 6º-A O Ministério Público poderá requerer as tutelas provisórias adequadas e necessárias, nos termos dos arts. 294 a 310 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

(...)

§ 10-C. Após a réplica do Ministério Público, o juiz proferirá decisão na qual indicará com precisão a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu, sendo-lhe vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor.

 

Art. 17-B. O Ministério Público poderá, conforme as circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não persecução civil, desde que dele advenham, ao menos, os seguintes resultados:

(...)

§ 5º As negociações para a celebração do acordo a que se refere o caput deste artigo ocorrerão entre o Ministério Público, de um lado, e, de outro, o investigado ou demandado e o seu defensor.

(...)

§ 7º Em caso de descumprimento do acordo a que se refere o caput deste artigo, o investigado ou o demandado ficará impedido de celebrar novo acordo pelo prazo de 5 (cinco) anos, contado do conhecimento pelo Ministério Público do efetivo descumprimento.  

 

Obs: nos dispositivos acima transcritos, onde se lê “Ministério Público”, leia-se: “Ministério Público e a pessoa jurídica interessada”.

 

b) declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 14.230/2021:

Art. 3º No prazo de 1 (um) ano a partir da data de publicação desta Lei, o Ministério Público competente manifestará interesse no prosseguimento das ações por improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda Pública, inclusive em grau de recurso.

§ 1º No prazo previsto no caput deste artigo suspende-se o processo, observado o disposto no art. 314 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

§ 2º Não adotada a providência descrita no caput deste artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.

 

Esse art. 3º foi declarado inconstitucional porque ele só tinha razão de ser caso o Ministério Público tivesse realmente se tornado o único legitimado. Neste caso, as ações propostas pela pessoa jurídica interessada seriam sucedidas pelo Ministério Público. Ocorre que essa providência não faz mais sentido porque a pessoa jurídica interessada tem legitimidade para continuar no polo ativo.

 

INEXISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DE A ASSESSORIA JURÍDICA FAZER A DEFESA DO AGENTE PÚBLICO

A Lei nº 14.230/2021 inseriu o § 20 no art. 17 da Lei nº 8.429/92, com a seguinte redação:

Art. 17 (...) § 20. A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo administrador público ficará obrigada a defendê-lo judicialmente, caso este venha a responder ação por improbidade administrativa, até que a decisão transite em julgado.

 

O STF declarou a inconstitucionalidade parcial, com redução de texto, desse § 20 do art. 17 da Lei nº 8.429/92, para dizer que não existe “obrigatoriedade de defesa judicial”.

O STF afirmou que existe a possibilidade dos órgãos da Advocacia Pública autorizarem a realização dessa representação judicial, por parte da assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo administrador público, nos termos autorizados por lei específica. No entanto, não existe – repito – obrigatoriedade para que isso aconteça.

 

Em suma:

Não deve existir obrigatoriedade de defesa judicial do agente público que cometeu ato de improbidade por parte da Advocacia Pública, pois a sua predestinação constitucional, enquanto função essencial à Justiça, identifica-se com a representação judicial e extrajudicial dos entes públicos. Contudo, permite-se essa atuação em caráter extraordinário e desde que norma local assim disponha.

STF. Plenário. ADI 7042/DF e ADI 7043/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 31/8/2022 (Info 1066).

 

Diante disso, o STF julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação direta para declarar a inconstitucionalidade parcial, com redução de texto, do § 20 do art. 17 da Lei nº 8.429/92, incluído pela Lei 14.230/2021, no sentido de que não existe “obrigatoriedade de defesa judicial”. Existe a possibilidade dos órgãos da Advocacia Pública autorizarem a realização dessa representação judicial, por parte da assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo administrador público, nos termos autorizados por lei específica.



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