sábado, 26 de novembro de 2022

A ação adequada para reaver o imóvel em casos de aquisição de imóvel locado é a ação de despejo, não servindo para esse propósito a ação de imissão de posse

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João era dono de um imóvel (galpão). Ele alugou esse imóvel para a empresa Gama Ltda.

Passado algum tempo, João vendeu esse imóvel para a empresa Alfa Empreendimentos Imobiliários.

A empresa Alfa enviou uma notificou extrajudicial para a Gama fazendo a denúncia da locação, por não ter interesse em manter o contrato nos termos estipulados originalmente. A Alfa disse: se quiser manter a locação, teremos que aumentar o aluguel. Se não quiser, deverá desocupar o imóvel em 90 dias.

A Gama não se manifestou sobre a nova proposta contratual para renovar a locação nem desocupou o imóvel.

Diante disso, a Alfa propôs ação de imissão de posse contra a empresa Gama Ltda.

A autora requereu a concessão da tutela antecipada para imiti-la na posse do imóvel, com a expedição de mandado de imissão de posse determinando a desocupação em prazo não superior a 48h. Ao final, requereu que a ação fosse julgada procedente para imitir, definitivamente, a autora na posse do imóvel, bem como a condenação da ré ao pagamento de perdas e danos, consistentes no pagamento dos aluguéis em atraso.

A ré contestou a demanda afirmando que não cabe ação de imissão de posse em casos de relação locatícia.

 

O STJ concordou com essa alegação da ré?

SIM. Vamos por partes.

 

O que acontece se determinado imóvel, que está alugado, for vendido para outra pessoa que não o locatário?

Regra: o adquirente poderá denunciar o contrato de locação, tendo o locatário que desocupar o imóvel no prazo máximo de 90 dias.

Obs: denunciar um contrato consiste na conduta de declarar a intenção de encerrar o pacto.

 

A alienação do imóvel permite ao adquirente denunciar o contrato de locação, tendo em vista a incidência do princípio da relatividade dos efeitos contratuais, um dos princípios fundamentais da teoria geral dos contratos, segundo o qual as estipulações contratuais só produzem efeitos entre as partes contratantes, não atingindo terceiros estranhos ao negócio jurídico, salvo se presente expressa cláusula de vigência devidamente averbada.

 

Exceção: o contrato não poderá ser denunciado e a locação continuará em vigor se estiverem presentes os seguintes requisitos cumulativos:

a) o contrato de locação for por tempo determinado;

b) o contrato de locação contiver cláusula de vigência em caso de alienação (conhecida doutrinariamente como “cláusula de vigência” ou “cláusula de respeito”);

c) o contrato de locação estiver averbado junto à matrícula do imóvel.

 

Nesse caso, o adquirente, ao comprar o imóvel, já estava ciente da existência da locação e, portanto, terá que respeitar o contrato, que irá vigorar até que termine o seu prazo.

É isso que está previsto expressamente na Lei nº 8.245/91 (lei que rege as locações dos imóveis urbanos):

Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.

 

Exceção ao princípio da relatividade dos contratos

De acordo com o princípio da relatividade dos contratos, o ajuste somente gera efeitos entre as partes (res inter alios acta), não obrigando terceiros.

Assim, um contrato de locação, em regra, somente obriga o locador, o locatário e eventual fiador que tenha figurado no pacto.

Os direitos e as obrigações nascidos de um contrato não atingem terceiros, cuja manifestação de vontade não teve participação na formação desse negócio jurídico.

A parte final do art. 8º, portanto, é uma hipótese de exceção ao princípio da relatividade dos contratos.

 

Ação adequada para retomar a posse do imóvel

O problema, no caso concreto, foi a escolha da ação proposta.

Por força de expressa disposição do art. 5º da Lei nº 8.245/91, a ação adequada para retomar a posse do imóvel em casos de aquisição de imóvel locado é a ação de despejo:

Art. 5º Seja qual for o fundamento do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica se a locação termina em decorrência de desapropriação, com a imissão do expropriante na posse do imóvel.

 

Segundo a doutrina, a alienação do imóvel durante a relação locatícia não rompe a locação, que continuará tendo existência e validade, tanto que o adquirente que assume a posição do antigo proprietário tem o direito de denunciar o contrato se assim desejar ou de permanecer inerte e sub-rogar-se nos direitos e deveres do locador dando continuidade à relação locatícia.

Logo, o adquirente tem direito de denunciar o contrato de locação na forma do art. 8º, mas só poderá reaver a posse direta do imóvel mediante o ajuizamento da ação de despejo, nos termos do art. 5º.

 

Em suma:

 

 


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